Jorge Stolfi
2021-01-04
Pesoas investem nele porque esperam ter bons lucros, e
essa expectativa é sustentada pelo pagamento de tais lucros para os que decidem sair. Porém,
não existe fonte de renda externa para esses pagamentos. Em vez disso,
os pagamentos saem inteiramente de novos investimentos, enquanto que
os operadores retiram uma grande parte deste dinheiro.
Investir em bitcoin (ou qualquer criptomoeda com protocolo semelhante) satisfaz todos estes itens. Os investidores são todos aqueles que compraram ou vão comprar bitcoins; eles investem comprando bitcoins, e sacam vendendo-as. Os operadores são os mineradores, que retiram dinheiro do esquema quando vendem aos investidores as moedas que mineraram.
As propriedades 3, 4 e 5 impplicam que investir em bitcoin, como "investir" em bilhetes de loteria, é um jogo de soma extremamente negativa. Ou seja, a qualquer momento, a quantia total que investidores sacaram até entãoé muito menor que o que eles colocaram no esquema; sendo que a diferença é a quantia que os operadore retiraram. Portanto os investidores, no conjunto, estão sempre no vermelho, e sua perda coletiva só aumenta com o tempo.
O lucro esperado de investir em tal esquema é negativo. Enquanto alguns investdores que sacarem o suficiente na hora certa podem conseguir algum lucro, este vem às custas de outros investidores, que perderão mais do que sua "justa" parte da peda coletiva acima.
As propriedades 1 e 2 caracterizam o esquema como uma fraude, em vez de apenas um mau investimento (ou um mau jogo de azar tipo "dança das cadeiras"). No mínimo, os operadores deveriam avisar os investidores sobre o caráter de soma negativa e sobre o lucro esperado ser negativo. No caso de bitcoin (e todas as outras criptomoedas), não só isso não acontece, mas há milhares de promovedores e "especialistas em investimento" fazendo previsões de impressionantes aumentos do preço, ou afirmando que bitcoin terá extensivos usos no futuro que supostamente o tornarão valioso. Além da falsidade destas afirmaçoes, esses promovedores nunca explicam que tais usos resultarão em renda para os investidores.
A observação de que investir em criptomoedas é um ponzi não é nem nova nem leviana. Entre muitos outros, foi feita em 2014 pelos economistas Nouriel Roubini da NYU [CDK1] e Kaushik Basu do Banco Mundial (BM) [CDK2] e reafirmada pelo analista de investimentos David Webb em 2017 [CFO2] e pelo presidente do BM, Jim Yomh Kim, em 2018 [CFO1].
Essa não é a definição legal de ponzi no país X. A definiçãolegal é relevante para determinar as implicações legais: poderia alguém do Planeta Cripto ser processado no país X por operar/promover/ajudar esse esquema?
Porém, se queremos saber se bitcoin é um bom investimento, ou apenas um tipo velho de fraude com pintura nova, a definição legal não é relevante. Devemos usar uma definição tipo "late, morde, coça e abana o rabo" -- que descreve o mecanismo pelo qual tolos e dinheiro são separados, e as razões que fazem do esquema uma fraude.
Essa não é a definição de ponzi segundo a fonte X. De fato, há muitas variantes da definição, e elas podem incluir outras condições espúrias (vide abaixo). Porém, essas exigências eram detalhes secundários de quase todos os ponzis anteriores a bitcoin, e não propriedades essenciais. Elas não são razões pelas quais investir em um ponzi é uma péssima idéia, nem razões pelas quais ponzis são fraudes em vez de apenas maus investimentos.
Há poucas décadas, uma definição válida de "televisor" poderia ser: "um dispositivo que converte sinas elétricos em imagens num tubo de raios catódicos (CRT)". Porém, quando surgiram as tevês de tela plana, seria tolice dizer "isso não é uma tevê porque não tem CRT". Em vez disso, as pessoas entenderiam que a referência a CRT nessa definição era imprópria, e que uma definição útil deveria descrever apenas o efeito do dispositivo, independentemente da tecnologis.
Não é um ponzi porque não garante o lucro. Um ponzi não precisa fazer isso. O de Madoff não fazia. Um ponzi só precisa criar a expectativa de lucro em um número suficiente de pessoas; o que ele geralmente consegue pagando lucros de fato aos poucos investidores que decidem sacar. Os próprios investidores então passam a ser seus promovedores principais.
Ponzis que garantem lucro só vão fisgar as vítimas mais ignorantes, porque a maioria das pessoas sabe que tais garantias são impossíveis no mundo das finanças; e eles terão vida muito curta, porque os tiras vão bater na porta assim que virem essa promessa.
Um esquema ponzi precisa ser uma empresa. Isso não é necessário: houve muitos esquemas ponzi em que as vítimas "investiram" simplesmente entregando dinheiro aos operadores [NYT1] [UGA1]. Bem como muitos esquemas com empresas inexistentes, como o fundo Bitcoin Savings and Trust que Trendon Shavers ("@pirateat40") fingiu ter criado em 2011.
Um ponzi deve ter um único operador. Como outras exigências espúrias, esta foi quase sempre verdade nos ponzis anteriores; mas não é relevante para o mecanismo, e não é o que faz um ponzi ser um mau investmento.
O operador de um ponzi deve mentir aos investidores sobre a fonte dos lucros. De novo, embora a maioria dos ponzis anteriores tinham esta característica, ela não é nem necessária nem suficiente para que oesquema tenha o efeito de um ponzi. (Se bem que, dependendo da jurisdição, ela pode ser necessária para que o operador seja processado.)
Diferentemente dos exemplos clássicos, itens 3--5 da definição e a propriedade de soma negativa do investimento em criptomoedas são óbvios para qualquer um que decida analisar o fluxo de dinheiro no mesmo. Porém, as vítimas do esquema não estão cientes destas características porque são ofuscadas por um mecanismo muito complicado e argumentos de economia que essas pessoas não são capazes de entender. Sua ignorância é cultivada por promovedores de criptomoedas, de Andreessen a Zhao, que ativamente espalham muitas mentiras e afirmações enganosas a respeito do esquema -- por malícia, ou por sua própria ignorância. "Especialistas" em investimento como Tom Lee, Mike Novogratz [BPR1] e Dan Morehead [FOR1] frequentemente oferecem previsões extremamente otimistas para o preço do bitcoin nas mídias de negócios ou de massas. Essas previsões não tem qualquer base racional; e, embora qualificadas com "talvezes" e ressalvas de "não é conselho de investmento", elas claramente tem o objetivo de fomentar o nvestimento nas moedas.
Promovedores de criptomoedas também afirmam que sua moeda e/ou seu sistema de pagamento possuem dúzias de virtudes: que "um dia" vão substituir cartões de crédito, substituir moedas nacionais, proteger poupanças da inflação ou confisco pelo governo, tornar bancos obsoletos, matar governos de fome privando-os de impostos e "impressão" de dinheiro", permitir financiar dissidentes em regimes opressores, "bancar os sem-banco", permitir o comércio livre pela intrnet de drogas e outros itens ilegais, acabar com corrupção, pobreza e desigualdade, etc. etc. etc. Ripple Inc, por exemplo, alardeou por muitos anos que sua moeda XRP seria usada por bancos para transferências internacionais. Partidários do Ethereum tem afirmado que seus "contratos inteligentes" vão eliminar a necessidade de advogados e tribunais em acordos de negócios. Os criadores de várias criptomoedas, como IOTA e Tron (TRX), afirmaram falsamente ter estabelecido parcerias com entidades como Microsoft [PYM1] e o time de futebol Liverpool FC [TRW]. Promotores de bitcoin (BTC) afirmam falsamente que o Lightning Network "logo" transformará seu sistema de pagamento disfuncional em um "Visa killer". E assim por diate. Quando alguém tenta desmentir qualquer dessas afirmações, os promovedores apenas desviam para a seguinte.
Mesmo que essas projeções otimistas viessem a se realizar, nenhuma delas resultaria em uma fonte rendimento para quem possui bitcoins. O valor desses serviços de pagamento iria em parte para aqueles que usam as criptomoedas para pagamentos e em parte para of mineradores na forma de taxas de transação. Porém, muitos investidores em criptomoedas não entendem este ponto. Eles, quase que "por definição", não entendem o que é um bom investimento -- por exemplo, porque ouro, ações, e imóveis tem valor -- e porque investir em um jogo que é garantidamente de soma negativa é uma péssima idéia. E os promovedores de bitcoins nem tentam educá-los sobre estes pontos;muito pelo contrário.
Por essa definição, ações também são ponzis. Não. Ações tem uma fonte externa de renda: os lucros que a empresa obtém vendendo seus produtos e serviços a seus clientes (não investodores); e esses lucros eventualmente retornam aos investodores na forma de dividendos ou recompra de ações. A longo prazo, espera-se que esses lucros excedam a quantia investoda, com um lucro significativo para todos os investidores. Portanto espera-se que investir em ações seja um jogo de soma positiva. O valor de mercado das ações reflete estas expectativas dos investidores. Embora algumas empresas não consigam atingir este objetivo, os sucessos são sufcientes para que ações sejam uma opção favorita de investidores conscientes.
Empresas frequentemente deixam de gerar lucros por vários anos seguidos: enquanto estão se estabelecendo, ou por conta de erros ou eventos externos inesperados. Nesses casos,o valor de mercado das ações vai depener das expectativas dos investidoree sobre a capacidade da empresa de se recuperar, e sobre seus lucros subsequentes.
Uma empresa também pode optar, com a aprovação de seus acionistas, por reinvestir seus lucros em crescimento adicional. Isto é bom para os investidores, porque cada um torna-se proprietário da mesma fração de um bolo maior -- incluindo, espera-se, lucros maiores no futuro -- o que geralmente aumenta o valor de mercado de cada ação.
Por essa definição, imóveis também são ponzis. Não. Assim como ações, um imóvel produz valor real: o serviço de abrigo para quem mora ou trabalha nele. Esse valor retorna ao investidor (proprietário), quer ao morar no imóvel, quer ao alugá-lo para outros.
Por essa definição, ouro também é ponzi. Não. Ouro claramente deixa de satisfazer a definição,e dois pontos.
Primeiro, pessoas que investem em ouro geralmente não são motivadas por expectativas de lucro. Elas geralmente investem como uma "hedge" -- uma "reserva de valor" -- que provavelmente vai manter boa parte de seu preço de mercado caso o dos demais investimentos venha a despencar.
Em segundo lugar, ouro tem uma fonte de renda além dos investidores: as compras por consumidores, como joalheiros e indústria, que tiram ouro domercado (2/3 da pprodução) para uso em produtos, não para revenda. Quando alguém compra 10 gramas de ouro, ganha um pedacinho de metal que pode vender para esses consumidores, obtendo assim dinheiro que não vem de outros investidores.
(Porém, investir em ouro agora não parece ser uma boa idéia, pois seu preço é muitas vezes o seu preço "natural" como commodity, e portanto é mais provável que caia do que suba. Portanto é discutível se ouro é uma boa "reserva de valor". Mas esse problema não é sufciente para torná-lo um ponzi.)
Por essa definição, o dólar (USD) é um ponzi. Não. Moedas nacionais também não se encaixam na definição, porque a pessoas não "investem" nelas com expectativa de lucro. Na verade, governos tornam suas moedas ligeiramente inflacionárias precisamente para desencorajar sua acumulação.
Não é um ponzi porque bitcoins podem ser recebidos e gastos como pagamentos, e não apenas comprados e vendidos. Isso não faz diferença para fins desta discussão. Se você comprou um laptop de R$ 10.000 pagando diretamente em bitcoin, para fins de análise financeira é o mesmo que se você tivesse vendido os bitcoins por R$ 10.000 e comprado o bitcoin com esse dinheiro. Contaris como um saque de R$ 10.000 do sistema. Da mesma forma, se você recebeu bitcoins ao vender um laptop de R$ 10.000, ou ao prestar um serviço pelo qual você normalmente cobraria R$ 10.000, isso conta como uma compra de bitcoins -- um investimento de R$ 10.000.
Não é um ponzi porque bitcoins tem valor intrínseco. Segundo este argumento, bitcoins são, como ouro, itens escassos cujas propriedades únicas os fazem instrumentos excepcionais para certos usos, como pagamentos ou reserva de valor.
Esta afirmação geralmente deriva da idéia incorreta de que um bitcoin é um certo padrão de bits cuja produção exigiu uma enorme quantidade de energia, e que apenas um número finito deles -- 21 milhões -- pode ser criado. E que estas proriedades tornam bitcoin (ou alguma criptomoeda X) mais valiosaa do que qualquer outra criptomoeda, includindo ramificações (forks) da mesma. Mas nenhuma destas afirmações é verdadeira.
Um bitcoin não é um padrão definido de bits. Não pode ser impresso, tocado num alto-falante, ou mostrado numa tela. Existe apenas um livro-caixa digital com linhas que afirmam "N bitcoins estão atribuídos ao endereçõ X" -- e nem sequer diz quais bitcoins. O gigantesco trabalho de hashing dos mineradores não vai para a criação dos bitcoins, mas para carmbar o livro caxa afim de (supostamente) proteger o registro das transações passadas. Uma vez que um bitcoin é transferido, todo esse trabalho passa a ser praticamente irrelevante. A segurança desse bitcoin -- mais precisamente, dessa transação -- vai depender do trabalho executado pelos mineradores depois de sua confirmação.
Portanto, um bitcoin não é um artefato específico que, de alguma forma, "contém" uma enorme quantidade de trabalho de hashing. Esse trabalho não está associado aos bitcoins. Tanto assim que cada um do milhão de bitcoins qye Satoshi criou no seu laptop é equivalente, em propriedades e preço de mercado, a qualquer bitcoin minerada ontem -- cuja criação supostamene exigiu umas 13'000'000'000'000'000'000'000 de operações de hashing.
Back in 2014 or so, when the US gov started auctioning the Silk Road bitcoins, some believers thought that those coins would fetch a higher price than "ordinary" ones -- because they would have been blessed as "legal" by the US government, and because of the "historical" value of having been owned by the greatest hero of Crypto Space. But that did not happen, precisely because bitcoins lack even the abstract "existence" of a tweet. How much would you pay for a $1.00 from my checking account that once was in Al Capone's checking account?
Contrast that with the properties that make gold a unique metal with high and lasting demand for jewelry and other uses: those properties are physically attached to each bit of the metal, and thus are truly "intrinsic".
In fact, while bitcoins are created in a fixed amount only when the miners have expended a large amount of work, the creation of those bitcoins costs nothing. The reward per block is defined by two lines of code in a program. By changing those lines, the reward could be sixty or six million bitcoins per block, with no extra work being required from the miners. Contrast that with the cost of producing gold, that is defined by geology and not by some line in a program.
It is claimed that the code lines that define the block reward cannot be changed because that would be "against the miners' self interest", or would be "rejected by the community". But neither of these arguments stands up to a critical analysis, that considers the actual reaction of that community to more radical changes that have been imposed on the protocol -- such as BTC's intentional congestion, and Ethereum's breaking of the sacred "code is law" principle.
It follows that bitcoins have no more intrinsic value than coins of any other cryptocurrency, or than the shares of Madoff's ponzi fund. These too were only an entry in a ledger, and where worthless by themselves. Unlike stocks or dollars in a checking account, none of those ledger entries gave their holders legal property rights on anything else; their value being only the right, conceded by the operators, to play the game -- that particular game -- while it lasted.
It is not a ponzi because it has recovered after each crash. Once more, that feature of past ponzis -- their ending with an abrupt, total, and permanent crash -- was a consequence of their particular features, not of the properties that made them fraudulent investments. Schemes that depended on a blatant lie, like Ponzi's or Madoff's, would crash abruptly when that lie was exposed; which usually happened when an excess of withdrawals over new investments made it impossible to honor the former. Once the truth got revealed, and confirmed by arrest of the operators, there was no further investment, and all investors demanded their money back.
However, as explained above, crypto ponzis sustain their expectation of profitability by technical and economic obfuscation, and claims about an indefinite future, rather than by a single and simple lie that implies constant income. Thus, even when new investments -- and consequently the immediate "payoffs" -- drop by 80% or more, as happened to BTC between 2017-12 and 2018-12, there will be a band of faithful investors who will continue to put all their spare money into the game, firmly believing that the price will "eventually" rise again and "go to the moon". And this money will be enough to keep the blockchain alive, even if with a lower hashrate. That is why even the most obviously broken cryptocurrencies can survive multiple crashes and years of dropping prices, and only die if and when the price finally reaches zero.
People buy for the ideology, not as an investment for profit. That is simply not true. For 99.9% of bitcoiners, when they buy bitcoins, they think they are investing -- and doing it because they expect to make big profits. One need only read what they write on forums to realize that. Those who truly buy it for ideological reasons (other than for criminal purposes) must be a very small minority.
Institutions buy it as a hedge, not as an investment for profit. That may be true in some cases, but "hedge" seems to be often just an excuse to cover other reasons. Some of those institutions may be in fact expecting to make a profit, but understandably their managers do not want to admit that they are gambling with the company's funds -- and do not want to be blamed if they lose money on that bet. (And some of these managers may well be aware that it is a ponzi scheme, but believe that, by cashing out at the right time, they can collect many millions of dollars from the faithful bitcoiners who have been putting more than 10 million USD/day into the game, rain or sunshine.) A few other big investors may be doing it for ideological reasons. And some CEOs may have found ways to personally profit from company purchases.
It should also be noted that many of the "big investors" cited by promoters are in fact bitcoin-based funds that, like Grayscale's GBTC, buy bitcoins with their clients money, not with their own; and therefore will make a profit from service and maintenance fees, no matter what will happen to the price. Once those funds are excluded, the number of "institutional" investors remains quite small.
It is hard to believe the "hedge" excuse, because such purpose requires an asset that is expected to at least retain most of its value in the short term, and whose volatility is low enough. Adding to one's portfolio any amount of an "asset" that is losing the money put into it at the rate of 10 billion USD per year, and has the highest volatility ever seen, will only increase its risk, not reduce it.
Ponzi should be written with capital "P". That is true. The word should always be capitalized, like Boycott, Lynch, Hamburger and Sandwich.
Edited on 2021-01-03: "(or any crypto)" --> "(or any crypto with similar protocol)", since e.g. stablecoins do not fit the definition.
Last edited on 2021-01-25 14:02:08 by jstolfi