Por um Instituto do FuturoCarta-programa de candidatura a Diretor do ICJorge Stolfi |
Car*s colegas do IC,
Como vocês todos já sabem, candidatei-me para o cargo de Diretor do Instituto. Mas, como muitos de vocês já sabem, também planejo sair para um ano de pós-doutorado, no início de 2006 --- o que, segundo os regulamentos da Unicamp, me obrigaria a pedir demissão do cargo, com convocação de novas eleições. Portanto, antes de apresentar minhas visões e propostas para o IC, devo justificar esta aparente inconguência, e afirmar a seriedade da minha candidatura.
Em primeiro lugar, meu pós-doutorado é necessário e inadiável. Nos 12 anos desde que vim para a Unicamp, não fiz nenhum estágio no exterior de mais de três meses. Para quem, como eu, fez da pesquisa científica sua opção de vida, esta falta de reciclagem é fatal. Como tenho 54 anos, não posso me dar ao luxo de esperar mais: não só por interesse próprio, mas por exigência do meu cargo, tenho que aproveitar os poucos anos produtivos que me restam fazendo aquilo que sei fazer melhor.
Mesmo com esse "handicap," entretanto, minha candidatura é muito séria, e acredito que é no mínimo competitiva.
Confesso que quando me inscrevi, há várias semanas, foi na expectativa de que logo surgiriam candidatos mais adequados do que eu, nos quais até eu teria prazer em votar. Assim, eu mesmo acreditava que minha candidatura seria apenas simbólica --- mais uma obrigação moral do que uma tentativa com chances reais de sucesso. Com essa premissa, eu nem vi necessidade de mudar meus planos para pós-doutorado (que na época estava previsto para meados de 2005).
Porque "obrigação moral"? Bem, em primeiro lugar, como docente MS-6, sinto que tenho uma obrigação ex officio de me candidatar a esse cargo. Afinal, como já foi observado na Congregação, a Universidade espera que os seus docentes Titulares desempenhem um papel ativo na sua condução.
Mais do que isso, porém, acredito que quem se diz descontente com a maneira como as coisas são conduzidas não pode simplesmente ficar sentado resmungando, mas deve se esforçar para consertá-las. Isso inclui, em particular, assumir cargos administrativos --- mesmo que não tenha em princípio vocação ou agrado por esse tipo de atividade.
Se no início eu me considerava apenas um candidato simbólico, agora estou declarando que minha candidatura, apesar do "handicap" acima, é para valer. O que me fez mudar de idéia foi o fato de que houve apenas um outro candidato, e ainda assim relutante e em última hora. (Nesse ponto, espero que me reconheçam ao menos o mérito de ter poupado ao Instituto o vexame de uma "eleição" com candidato único --- que, desnecessário lembrar, tem sido sempre a marca registrada dos piores regimes do planeta.)
Fiquei extremamente desapontado e preocupado com essa falta de candidatos. Será possível que nenhum de nós tenha mais interesse nos rumos do Instituto, ao ponto de preferir deixar o barco à deriva do que ter o incômodo de pegar no leme? Ou será alguma forma de timidez descabida, talvez medo de concorrer e perder? (Mas saber perder é um requisito necessário para a vida!) Ou talvez um reflexo tardio de um tempo em que éramos todos "crianças", e víamos cargos de chefia como algo reservado a semideuses? (Mas todos nós já crescemos e amadurecemos --- demais até!)
Seja como for, frustrou-se-me o plano de, através da minha candidatura, incentivar (ou, se preferirem, assustar) meus pré-candidatos favoritos a se inscrever. Vejo-me assim obrigado a concorrer para valer --- agora, não apenas por uma vaga "obrigação moral", mas por interesse próprio. Ou, na verdade, porque "obrigação moral" é no fundo o caminho inteligente para o interesse próprio. Pois, apesar de todas as ressalvas, acredito que ainda sou o "menos pior" dos candidatos para este Instituto --- como vou tentar demonstrar a seguir.
Para quem não me conhece: sou Professor do IC, para onde vim em 1992, em nível MS-6 e tempo integral. Estou lotado no Departamento de Teoria da Computação, mas minhas áreas de atuação principais hoje são computação gráfica, processamento de imagens, métodos numéricos, e processamento de linguagem natural. Sou Engenheiro Eletrônico pela Escola Politécnica da USP (1973), Mestre em Matemática Aplicada (Computação) pelo Instituto de Matemática e Estatística da USP (1979), Doutor em Ciência da Computação pela Universidade de Stanford (1988), e Professor Titular pela Unicamp (2001). Nasci na cidade de São Paulo há 54 anos, mais ou menos épsilon.
Como candidato ao cargo de diretor, considero minhas credenciais acadêmicas como uma das minhas principais vantagens. Nos 25 anos de minha carreira como cientista, consegui ter meu nome conhecido e respeitado, não só em várias esferas (na Unicamp, no país, e internacionalmente) mas também em várias áreas da ciência da computação, teórica e aplicada --- desde processamento de linguagem natural até análise numérica, passando por computação gráfica, geometria computacional, algoritmos, e teoria dos grafos.
Esse renome tem sido comprovado por inúmeros convites para palestras, bancas, e comitês de programa, como detalhado em meu currículo. Apesar das dificuldades notórias que todo pesquisador brasileiro enfrenta, e da dificuldade em conseguir orientandos interessados em problemas com cunho teórico, tenho conseguido manter minha produtividade em pesquisa, evidenciada por publicações em periódicos de bom nível. Como vocês possivelmente sabem, estou na lista dos "cientistas mais citados" compilada pela ISI WebOfScience --- lista essa que inclui um único brasileiro em ciência da computação, e apenas três brasileiros em todas as áreas.
Sou o primeiro a reconhecer que a competência técnica e acadêmica não é um atributo necessário para um bom diretor, e que inclusive pode atrapalhar seu desempenho como administrador. Porém, ter um diretor com bom currículo, nem que seja de vez em quando, sem dúvida aumentaria o prestígio do Instituto aos olhos da Universidade e da comunidade externa -- incluindo outros institutos da área, no país e no exterior, órgãos de fomento, empresas, e alunos em potencial.
Como causa e efeito da minha atuação em pesquisa, tive uma experiência bastante variada, cobrindo muitos ambientes e áreas da computação além dos de minha especialidade. Nos Estados Unidos, trabalhei durante quase dez anos em laboratórios de pesquisa da Xerox (PARC) e da Digital Equipment Corporation (SRC), primeiro como "estagiário de tempo integral" e, depois de titulado, como pesquisador. Apesar de ser nominalmente um "teórico", participei ativamente de projetos aplicados, como o desenvolvimento da linguagem Modula-3 e de software básico para estações multi-processador. Além disso, convivi diariamente com os pesquisadores que inventaram as interfaces gráficas e o sistema de janelas X, a rede Ethernet e as redes chaveadas, as linguagens Smalltalk e Postscript, o buscador Altavista, e muitas outras invenções que revolucionaram a área. Essa experiência deu-me, além de conhecimentos técnicos, uma visão interna de como funciona um centro de pesquisa, e dos atributos necessários para seu sucesso (e dos erros que podem causar seu fracasso).
Antes de meu doutorado, em São Paulo, trabalhei para diversas empresas de engenharia de tráfego, e para a Fundação Carlos Chagas. Nesta última, fui por vários anos o chefe do setor de processamento de dados, responsável pelo cadastramento e correção dos vestibulares de medicina do Estado (quase 30.000 candidatos) e de outros concursos públicos. Estas experiências profissioais, e as várias consultorias de que participei, antes e depois do meu doutorado, me familiarizaram com a maneira empresarial de agir e pensar --- o que deverá ser uma vantagem ao tratar eventuais convênios e colaborações.
Quanto a ambientes universitários, Minha vivência inclui cinco anos de graduação na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, cinco anos como docente-mestrando do IME-USP (onde fui professor homenageado da segunda turma do Bacharelado), nove anos como aluno de doutorado da Universidade de Stanford, e doze anos como docente do IC. Além disso, perdi a conta do número de universidades e instituições que conheci, em vistas mais ou menos longas.
Creio que este tipo de vivência externa à Unicamp é extremamente importante para o cargo de diretor. Na medida em que este tem o papel de "piloto" do Instituto, é necessário que ele conheça não apenas o que o Instituto é, mas principalmente o que ele pode vir a ser.
Minha experiência variada --- quer como participante ativo, quer como mero "comensal" --- deu-me uma visão global da ciência da computação; que considero ser também uma qualidade importante para um diretor deste Instituto. Graças a essa vivência, aprendi a respeitar e valorizar tanto pesquisa teórica quanto projetos aplicados: não apenas em todas as sub-áreas da computação, mas também nas muitas ciências e profissões onde ela é aplicada.
Aliás, desde meu primeiro contato com o computador (em 1969) até hoje, tenho dedicado uma parte considerável de meu tempo à elaboração de programas de tudo quanto é tipo e tamanho. (Se me permitem o convencimento, aposto que escrevi mais linhas de código do que qualquer outra pessoa neste Instituto!). E, tanto na Xerox quanto na DEC, trabalhei por muitos anos num ambiente em que desenvolver software de qualidade era quase que um imperativo religioso. Portanto, apesar de não ter tido treinamento formal em engenharia de software, e ser ignorante até do jargão básico da área, reconheço plenamente a importância e necessidade dessa disciplina.
De modo geral, minha versatilidade técnica deverá facilitar bastante o estabelecimento de cooperações com outras instituições acadêmicas, dentro e fora da Unicamp.
Nesse sentido, espero em particular conseguir reverter a visão isolacionista que tem marcado este Instituto, desde muito antes de sua criação -- uma visão na qual outros institutos da UNicamp, especialmente os que deveriam ser nossos parceiros naturais, são vistos primariamente como "rivais" a serem combatidos, evitados e denegridos. Poderia apontar inúmeros exemplos --- no currículo de nossos cursos de graduação e pós-graduação, na nossa atitude em relação ao "cursão", na maneira como o Instituto foi criado, e até mesmo na escolha do terreno para nosso futuro prédio.
Ao nível de Instituto, nossas relações com entidades externas à Unicamp não são muito melhores: eu mesmo já cheguei a ser criticado por trabalhar com pessoas do IMPA, por exemplo. É verdade que temos vários exemplos notáveis de cooperação inter-institucional, como o LBI, mas eles se devem quase que exclusivamente a iniciativas de docentes individuais --- à revelia (se não apesar) das lideranças do Instituto.
acredito que essa atitude negativa e isolacionista é o fruto natural de uma visão primariamente política das coisas, onde o Instituto é considerado um fim em si mesmo, e não um meio que a Universidade criou para determinado fim social. Afinal, quando as pessoas que determinam a política do Instituto não são capazes de enxergar as possibilidades e necessidades de cooperação, as relações com outros institutos reduzem-se naturalmente aos itens negativos, como a competição por orçamento, bolsas e vagas.
Uma conseqüência desta visão isolacionista, suponho, é a falta de um programa institucional de pesquisadores e professores visitantes, bem como uma incapacidade crônica de aproveitar os visitantes trazidos por iniciativa de docentes individuais. Este é um dos pontos em que a visão do diretor pode fazer muita diferença.
Num mundo ideal, a personalidade do diretor não deveria ser importante, apenas sua capacidade em desempenhar seu cargo. Mas na prática esse ponto é talvez o que mais determina o resultado de uma eleição.
Com doze anos de casa, nos quais fui presença constante no Instituto, não sei o que posso dizer a esse respeito. Certamente meus defeitos, se não minhas qualidades, são bem conhecidos de todos. Nesse ponto, portanto, só espero não perder na comparação.
Suponho que um item que mais preocupará os eleitores é minha capacidade de cumprir prazos e obrigações burocráticas. Reconheço que nem sempre tenho conseguido me lembrar de compromissos, às vezes com conseqüências graves para mim mesmo; e meus artigos, relatórios e pedidos sempre acabam sendo feitos na última hora, ou um pouco além.
Mas eu gostaria que fosse observado que, em primeiro lugar, essa correria é conseqüência natural de eu ter muitas atividades em paralelo, sem nenhum apoio administrativo para a maioria delas. Acredito que todos meus colegas sabem o que isso significa, por experiência própria. Além disso, confesso que atividades que dizem respeito a minhas finanças pessoais não tem muita prioridade na minha agenda. Porém, quanto a obrigações de trabalho, ou tarefas que afetam outras pessoas além de mim, acredito que tenho cumprido minhas obrigações tão plena e prontamente quanto qualquer outra pessoa.
Em particular, no desempenho do cargo de diretor, naturalmente darei prioridade máxima a compromissos que afetam todo o Instituto; e nisso sei que poderei contar com a ajuda de funcionários hábeis e experimentados.
Outra vantagem que acredito ter nesta eleição é o fato de que, desde que me juntei ao IC, sempre fui um membro presente e ativo da comunidade. Fui presença regular na Congregação e nos fóruns, para os quais contribuí não apenas com discussões e apartes, mas com muitas propostas concretas e análises detalhadas. Como Chefe do DTC, esforcei-me para ser mais do que um simples item na folha de pagamento, e --- como em todas as outras ocasiões --- fiz o que pude pelo progresso do IC.
É verdade que, na Congregação, colecionei muito mais fracassos do que sucessos; mas permitam-me lembrar que essas frustrações nunca me fizeram "jogar a toalha". E eu diria que as vezes em que consegui convencer meus pares --- como no caso do prédio --- fizeram essa teimosia valer a pena.
Além disso, independentemente do "escore" de votações, creio que contribuí muito para conscientizar a Congregação de que ela não deve se contentar em ser uma mera carimbadora de decisões da diretoria, mas precisa assumir seu papel regimental, de autoridade máxima dentro do IC.
Como resultado dessa atividade "política", hoje conheço razoavelmente bem as pessoas e do funcionamento do Instituto --- melhor, ouso crer, do que muitas pessoas que estão aqui há mais tempo do que eu. Quer me parecer que essa também é uma característica importante para um diretor.
Um problema específico da "ciência da computação" é uma grande incerteza, crônica e crescente, sobre seu escopo e natureza. Um reflexo dessa incerteza é uma certa dificuldade em definir a missão do Instituto --- que aliás ficou evidente nas discussões do Planejamento Estratégico.
O papel do diretor nessa questão é obviamente muito limitado: pois quem define a missão do Instituto é, por um lado, o conjunto dos docentes, e, por outro lado, a universidade. Assim, no meu entender, o principal papel do diretor nessa questão é servir de canal de comunicação (praticamente o único) entre esses dois lados.
Neste ponto, acredito que o Instituto como um todo precisa ter mais interesse pelo que se passa no CONSU e na Reitoria, e a levar isso em conta no momento de tomarmos nossas decisões individuais. (Aliás, a visão isolacionista a que me referi acima tem tido efeito negativo também neste ponto --- o CONSU tem sido visto mais como nosso adversário do que como nosso "patrão".)
Por outro lado, creio que precisamos aprender a distinguir o interesse do Instituto e da Universidade dos interesses pessoais de quem vier a ser o futuro Reitor. Acredito que parte da alienação do IC em relação à reitoria é devido ao compromisso explícito das administrações passadas com campanhas políticas de pessoas, independentemente dos interesses da Universidade ou do Instituto. Espero que esteja claro que não estou comprometido ou em dívida com nenhum possivel candidato a Reitor --- e não pretendo vir a estar.
Ninguém pode negar que o AIU advindo dos cursos de extensão tornou-se essencial para a saúde financeira do Instituto, e para a complementação dos deprimidos salários de nossos docentes --- especialmente agora que não temos mais o Mestrado Profissional.
Porém, não podemos deixar de esquecer que cursos de extensão não podem ser considerados uma missão prioritária do Instituto. Não podemos esperar que a sociedade (e portanto a Universidade) continuem pagando nossos salários e aposentadorias para receber em troca um punhado de cursos de extensão pagos (e bem pagos) que poderiam muto bem ser dados por uma entidade privada. Apesar da classificação formal, essas atividades com fins estritamente lucrativos não são exatamente "serviços à comunidade" --- certamente não no mesmo sentido que os serviços do Hospital Universitário, ou os cursos de extensão para professores secundários que outras unidades oferecem a custo simbólico.
O fato é que, mesmo quando cursos pagos estavam a todo vapor, as complementações que eles renderam a nossos docentes mal chegaram a 15% da massa salarial do Instituto. Assim, a idéia de que cursos pagos poderiam tornar o Instituto auto-suficiente não tem base na realidade. Precisamos reconhecer que somos funcionários públicos, e que a sobrevivência desta Instituição (e de nossos empregos) depende inteiramente dos recursos que recebemos do Estado.
Ora, demagogias à parte, o único motivo pelo qual os pagadores de impostos do Estado continuam dispostos a nos sustentar são nossos cursos regulares e gratuitos de pós-graduação e graduação --- especialmente estes últimos. Assim, se por um lado temos que manter as atividades pagas do Instituto, não podemos colocá-las na frente, ou mesmo ao lado, dos cursos regulares. Pelo contrário, temos que nos esforçar para reverter o descaso que estes têm recebido ao longo dos últimos anos.
Como exemplo do descaso a que me referi acima, basta observar que a oferta de disciplinas optativas e de pós-graduação tem sido reduzida a pouco mais que o necessário para integralização dos créditos exigidos pelos regimentos. Outro exemplo é nossa falta de resposta aos apelos públicos por mais vagas nos cursos de graduação. Assim, enquanto a USP abriu pelo menos cinco novos cursos de graduação relacionados com informática, nossa única iniciativa nestes últimos anos foi abrir 5 (cinco) vagas nos cursos já existentes; e o projeto de criação do Bacharelado diurno, trazido à Congregação pelo diretor, foi sumariamente rejeitado.
Por mais que justifiquemos esta decisão em termos de carga didática, o
resultado é que nós passamos a ser
Além da oferta de disciplinas, as conseqüências de nosso descaso pela graduação incluem deficiências sérias da grade curricular, especialmente do curso de Bacharelado. Por exemplo, as disciplinas avançadas de Análise de Algoritmos (MC458 e MC558) exigem conhecimento de probabilidade e estatística e programação linear; no entanto as disciplinas que deveriam suprir estes conhecimentos não são pré-requisitos oficiais, e estão inclusive alocadas em semestres posteriores da grade. E este é apenas um exemplo.
O descompasso de nossos currículos foi sublinhado recentemente numa reunião de docentes do IC com várias pessoas da indústria (organizada pelo Prof. Vanini). Foi com muita surpresa que ouvi uma gerente de desenvolvimento de empresa de grande porte --- uma pessoa "strictly business", sem nenhum traço de academismo --- dizer que a primeira tarefa que ela dá aos nossos formandos recém-contratados é estudar estatística, pois essa matéria é essencial para o planejamento de projetos na sua empresa.
Na verdade, as grades curriculares dos cursos de graduação precisam ser repensadas e redesenhadas de maneira orgânica, desde a estaca zero --- e não por uma sucessão de remendos pontuais (muitas vezes motivados por razões estritamente pragmáticas ou burocráticas), como tem sido feito. Aliás, a finalidade primária e razão de ser dos departamentos é justamente a gerenciar conjuntos disciplinas afins -- não no sentido de carga didática, mas no sentido de coerencia de ementas e pré-requisitos, coordenação de turmas, ofertas de optativas e cursos de pós-graduação, etc.. Assim, espero que os departamentos assumam suas obrigações neste sentido.
Mais geralmente, acredito que o repensar de nossa missão deve examinar também para a possibilidade de diferenciação de nossos cursos, tanto de graduação quanto de pós-graduação.
Na época em que os currículos desses cursos foram formulados, ainda era possível acreditar que o profissional (engenheiro ou bacharel) "de computação" poderia ser definido por um perfil único, quando muito colorido com duas ou três optativas avançadas. Mas parece-me que esse conceito perdeu sua validade há muito tempo. Aconteceu que, em vez de crescer em profundidade, a computação se expandiu horizontalmente, aproximando-se de suas inúmeras aplicações --- e assim diferenciando-se em especialidades bem diferentes entre si.
Hoje em dia, um engenheiro de computação pode ser contratado para projetar sistemas de telefonia celular, escrever software para bioseqüenciamento, fazer análise de imagens de satélite, implementar criptografia segura, otimizar a produção de uma fábrica, escrever software básico para novas arquiteturas, etc. etc.. É difícil acreditar que o mesmo curso possa preparar alguém para todas esses tipos diferentes de atividades. Cada uma exige conhecimentos específicos, que não podem ser facilmente adquiridos fora do ambiente formal da universidade.
A proposta de criação de "ênfases" na graduação, que já está sendo estudada, seria um primeiro passo para aliviar a esse problema. Mas é bem possível que isso não seja suficiente, e que seja necessário criar novas modalidades, ou mesmo cursos distintos, diferenciados já nos primeiros semestres --- por exemplo, um curso voltado para informática comercial e bancária, e outro para informática aplicada a engenharia e ciências exatas (mas distinto da modalidade atual de controle e automação).
A necessidade de cursos diferenciados surge também nos cursos de pós-graduação. Em tese, bastaria que o orientador recomendasse ao aluno uma seqüência de disciplinas adequada para a especialidade desejada. Mas isso nem sempre é possível na prática --- por oferta insuficiente de disciplinas, exigências de áreas obrigatórias, distração do orientador, ou outras causas. Portanto, assim como na graduação, talvez seja melhor criar oficialmente dois ou mais cursos de Mestrado distintos --- com disciplinas compartilhadas, claro, mas com requisitos e opcões curriculares específicas para cada curso. Aqui, também, espero que cada departamento se preocupe com a saúde acadêmica dos cursos de sua área.
As mesmas ressalvas quanto a atividades "de extensão" lucrativas valem para o Mestrado Profissional (MP) pago; com a agravante que seu diploma equivale ao de Mestrado Acadêmico (MA), apesar de que seus cursos tem sido muito mais fracos --- em boa parte, justamente por serem pagos. Isso sem falar na perversidade que é uma universidade pública, sustentada principalmente com impostos que atingem paulistas de todas as classes por igual, restringir um curso "profissionalizante" à pequena minoria da população que pode pagar R$ 12,000 por ele -- ou seja, apenas àqueles que já tem um bom emprego (ou que não precisam disso).
Como vocês sabem, sempre fui contrário ao mestrado pago; e não posso negar que tive uma "triste satisfação" ao ver os obstáculos legais que apontei desde o início serem finalmente confirmadas pelos procuradores. Mas, apesar do desastre financeiro que foi a perda súbita dessa fonte de receita, eu diria que o desfecho foi positivo para o Instituto --- nem que seja por evidenciar as limitações do conceito "instituto-empresa", e por tornar-nos mais conscientes da importância de respeitar os regulamentos. (Em retrospecto, até que tivemos sorte --- o desfecho poderia ter sido bem pior.)
Acredito que precisamos recuperar nossa "dignidade institucional" criando um novo MP, gratuito, que seja realmente um serviço público condizente com nossa missão. Obviamente isto é assunto para a CPG e para a Congregação, e não para o Diretor; mas tenho uma sugestão a esse respeito, e pretendo "fazer campanha" por esse projeto.
Pessoalmente, considero que o projeto do IC-4 foi uma das maiores contribuições que dei a este Instituto. Sem querer desmerecer o trabalho dos outros membros da comissão do prédio, ou o apoio que recebi da maioria dos meus colegas, acredito que sem minha intervenção e persistência não teríamos nem um projeto decente, nem um terreno adequado, nem os três milhões de reais que temos (pelo menos prometidos) para começar sua construção. Pelo contrário, teríamos que nos mudar para um prédio não muito maior que este -- sem salas de aula, sem anfiteatros nem espaço para laboratórios, sem espaço para alunos, sem estacionamento nem áreas comuns, e muito, muito mais desconfortável.
Mais do que pelo projeto em si, orgulho-me da maneira como ele foi elaborado --- com a participação e acompanhamento de todos os docentes, funcionários e alunos, e com todas as decisões submetidas à Congregação. Na verdade, o mais penoso não foi a elaboração do projeto, mas manter esse modus operandi durante mais de um ano, apesar de muitas pressões e obstáculos em contrário.
Infelizmente, apesar de meus apelos à modéstia, o projeto acabou inflado para quase o dobro do tamanho previsto inicialmente (9500 m² em vez de 5000 m²); e as previsões que serviram de pretexto para essa expansão (custo baixo por m², e obtenção de fundos adicionais junto à Reitoria), no fim se revelaram demasiado otimistas. Os três milhões que "recebemos" na gestão do Hermano devem ser suficientes para construir parte da estrutura e/ou o bloco de aulas. Mesmo com a possibilidade de construção em duas fases (que, aliás, foi incluída apenas por minha insistência) precisaremos de cinco a seis milhões de reais para construir um espaço para onde vale a pena mudar, e dez milhões para construir o conjunto todo. Como diretor, eu naturalmente me empenharei em começar a construção do IC-4, e, em paralelo, tentar conseguir os recursos adicionais, junto à Reitoria ou a fontes externas.
Entretanto, em vista da situação da Universidade e do país, não ouso ser otimista a esse respeito, nem mesmo a médio prazo. Talvez alguns de vocês lembrem que, numa das primeiras reuniões do DCC a que participei depois de contratado, previ (contra a convicção geral) que ficaríamos neste prédio por pelo menos dez anos. Isso foi em 1992. Lamento dizer que continuo com a mesma opinião: se tudo correr bem, espero mudar para uma sala agradável no IC-4 ainda antes de me aposentar, lá por 2015.
Ou seja, realisticamente, acredito que temos que pensar no IC-1/IC-2 como nosso "lar" por muitos anos ainda. Portanto, creio que se justifica investir alguns recursos nele, para torná-lo mais confortável. Em particular, mesmo após o término do "IC-3.5", é fácil prever que continuaremos com falta de espaço para alunos de pós-graduação e laboratórios. Minha proposta para aliviar esse problema seria construir uma ala adicional (com dois andares, se possível) no espaço entre os dois prédios. O uso que faríamos desse espaço (equivalente a 4-6 vezes a área da secretaria de cursos), até que conseguirmos nos mudar para o IC-4, certamente compensará seu custo.
Concluindo e resumindo, o tema geral da minha proposta é dar ao Instituto uma nova visão --- voltada para a frente e para fora, em vez de para dentro e para trás. Quero que este Instituto, onde pretendo passar o resto de minha carreira, seja um lugar do qual todos nós poderemos nos orgulhar em pertencer. Quero ser parte de um Instituto que seja valorizado e respeitado dentro e fora da Unicamp, afinado com a missão da Universidade, e empenhado em seu desenvolvimento. Um lugar onde não se pensa apenas no que já foi feito, mas no que podemos fazer; não um museu, mas um canteiro de obras. Não mais "o Antigo DCC", mas "o Instituto do Futuro".
Sei que este é um desafio e tanto, especialmente em vista dos problemas financeiros que apontam no horizonte. Mas, se puder contar com o apoio de todos, estou pronto para fazer a minha parte.
Last edited on 2004-11-30 16:02:16 by stolfi