Fazer, ou não fazer: eis a questão:
Se é mais nobre em silêncio sofrer
Os cortes e roubos de um governo ultrajante,
Ou levantar bandeiras contra um mar de abusos,
E opondo-se-lhes, sustá-los?
Conformar-nos; alienar-nos;
Para sempre; e por alienação entende-se findar
A angústia e os contínuos sustos
Que vêm com este emprego, eis uma abdicação
Que intensamente nos atrai.
Conformar-nos; alienar-nos;
Alienar-nos: talvez aposentar: ah, mas aí é que são elas;
Pois nesse estado de inação, que misérias poderão advir
Quando tivermos perdido até esta nossa pouca importância,
É o que nos preocupa; esse é o receio
Que faz calamidade de carreira tão longa;
Pois quem suportaria as penúrias e mazelas do serviço,
Os desmandos do governante, a arrogância do tecnocrata,
A mágoa do trabalho desprezado, a inércia da lei,
A insolência dos superiores, e o despeito
Que o mérito paciente recebe dos medíocres,
Se pudesse seu sossego obter
Com uma aposentadoria segura e digna?
Quem este fardo agüentaria,
Resmungando e suando sob o peso desta lida,
Se não fosse que o terror do que pode vir depois,
Nesse limbo de incertezas de cujo marasma
Nenhum trabalhador retorna, turva nossa vontade
E leva-nos a suportar antes os males que sofremos
Do que passar a outros que ignoramos?
É assim que a insegurança nos faz covardes todos;
E é assim que a cor natural da indignação
Cede ao tom doentio da timidez,
E que iniciativas de grande força e impulso
Por estes cuidados desandam de seu curso,
E perdem o rumo da ação.
Shakespeare, Hamlet
Tradurpação: J. Stolfi
Last edited on 2003-08-20 09:22:32 by stolfi