RESPONSABILIDADE FISCAL Li hoje na internet(*) que dívida pública interna do País passou recentemente a marca de R$ 1.000.000.000.000,00. Isso é 1 trilhão de reais, ou 51% do PIB. Porque será que ninguém comemorou? Apesar de todos os cortes de gastos e apertos fiscais, a dívida nacional continua crescendo sem parar. Acho curioso que, com tanto noticiário sobre economia, esse fato raramente é mencionado. (Aliás, ficaria muito grato se alguém me apontasse uma fonte confiável com dados históricos sobre essa picuinha, cobrindo os últimos 20 anos.) E, no entanto, esse único dado torna qualquer outro dado econômico irrelevante. Ele significa que o Titanic brasileiro está apontado diretamente para o iceberg. Nessa situação, de que adianta discutir o estado da piscina, ou o cardápio do jantar? Um trilhão de reais, dividido por 200 milhões de pessoas, significa que cada cidadão brasileiro deve uns R$ 5.000,00 aos bancos credores. Posto dessa forma, pode até parecer ninharia. Apesar de eu nunca ter autorizado ninguém a fazer essa dívida em meu nome, eu quitaria de bom grado os R$ 25.000,00 da parte que me cabe --- por mim, minha esposa, meus dois filhos (incluindo o que se mudou para os EUA, feliz dele) e minha sogra --- para não ter que continuar pagando os juros dessa dívida. Se os bancos fizerem questão, pago também os R$ 500,00 que meu gato deve, os R$ 72,00 dos dois periquitos que criamos em 1997, e os R$ 5,98 da lagartixa que mora atrás da estante da sala. Mas o problema é que não somos os únicos devedores. Cada operário, secretária, pedreiro, caixeiro de loja, cortador de cana, lixeiro, faxineira, etc. etc., também deve R$ 5000,00. A velhinha aposentada pelo INPS, o desempregado de meia-idade, a dona-de-casa no sertão do Piauí, o sujeito que vende coco verde na praia, o camelô na rodoviária de Bom Jesus de Pirapora, o rapaz que lava para-brisas na esquina, o analfabeto que limpa os banheiros do boteco, cada um deles deve R$ 5.000,00. Cada menor abandonado deve R$ 5.000,00, assim como cada traficante, mendigo, presidiário, alcoólatra, débil mental, louco, aleijado, quadraplégico, e professor secundário. Cada bebê que nasce já nasce devendo R$ 5.000,00. Até mesmo o mais miserável dos índios pirahã -- que não têm cabanas nem posses, e não sabem nem contar até 1 --- tem uma dívida de duzentos e cinquenta reais pendurada em cada dedo. É óbvio que nenhum desses coitados vai conseguir pagar sua justa parte da dívida nacional. Muitos deles nem ganham o suficiente para pagar sua parte dos juros --- uns R$ 700 reais por ano, estimando por baixo. Mas é igualmente óbvio que os bancos não vão abrir mão de suas dívidas, nem perdoar os juros. Agora adivinhe quem é que vai ter que pagar por todos esses coitados, dívida e juros? Assim, todo ano eu pago meus R$ 3.500,00 reais de juros, mais os juros de dezenas (centenas?) de outros basileiros que não conheço e não me conhecem, por uma dívida que nenhum de nós quis ter. E continuo devendo, por mim e por eles, uma fortuna que nunca vou conseguir quitar. Ninguém nos perguntou se queríamos entrar nessa arapuca. Ninguém sequer nos avisou de que estávamos entrando. Como escrevi acima, não consigo entender porque ninguém parece consciente deste fato quando se discute a situação do país. Talvez porque, neste momento especialmente, seria inoportuno lembrar quem foi o canalha que nos deixou essa dívida? Ou quem é o filho da puta que nos obriga a pagá-la? Jorge Stolfi Otário Brasileiro, Campinas