Nos comentários acima não vi nada que contrarie meu entendimento: as críticas do relatório de especialistas, válidas ou não, podem afetar o montante e direção das ações remediadoras, mas não apresentam obstáculos sérios para a construção da usina. 

De fato Fearnside baseia seus argumentos em medições das usinas de Tucuruí e Balbina, além de dados de outros países.  Como observado acima, em Belo Monte faltam vários dos fatores importantes para geração de metano, de modo que esse risco parece bastante implausível.  Tanto assim que no relatório de especialistas ele não afirma que o efeito ocorrerá, muito menos que tornará a usina mais poluente que uma termoelétrica.

Seria muito interessante medir a concentração de metano  na água que alimenta nas turbinas de Itaipu.  (A turbulência na entrada é irrelevante, pois a decomposição do metano na água oxigenada é devida à ação de bactérias e portanto leva algum tempo. Assim, mesmo que a hipótética água anóxica do fundo seja misturada à água oxigenada ao entrar na boca das turbinas, o metano presente deve ser quase todo liberado quando essa água é despejada na saída.)

Lamento saber que o tema da redação do ENEM foi o "fato" de que as hidroelétricas são mais  poluentes que as termoelétricas.  A prova de redação já é uma aberração do ponto de vista de avaliação, pois sua nota é muito mais aleatória e subjetiva que a de uma prova de questões objetivas. Pior ainda quando o tema é um assunto de atualidade.  Como esse exemplo mostra, o examinador fica tentado a usar a prova para divulgar "fatos" que podem ser incorretos ou apenas suas opiniões pessoais. (Quando prestei meu vestibular na Escola Politécnica da USP, em 1968, o tema da redação foi "aspectos positivos da guerra".) Um tema controverso coloca em desvantagem os alunos que tem opiniões contrárias, aumentando ainda mais o caráter aleatório e subjetivo da nota.

Quanto à eficiência de tirar a água do topo em vez do fundo, dá na mesma.  Em algum momento a àgua  fica confinada em um túnel ou tubo até chegar nas turbinas.  O desnível que importa (que define a pressão da água na turbina) é o que vai da última superfície livre da água antes desse tubo até a turbina.  No corte de Itaipu postado acima, o desnível efetivo é medido do topo da água antes da barragem; a profundidade onde fica a boca de captação é irrelevante.  Pelo que entendo, em Belo Monte o nível da água será praticamente o mesmo em toda a barragem, nos canais de desvio,  e no reservatório dos canas, até chegar perto da casa de turbinas.  Nesse ponto a água deve entrar em um poço ou tubo fechado que leva às turbinas.  Portanto o desnível que importa é do nível atual do rio  ao sul de  Altamira (onde vai começar o reservatório) até o nível do rio logo depois de Belo Monte (onde ficam as turbinas).

Finalmente, é preciso enfatizar que a área total a ser alagada por Belo Monte,  em toda sua vida útil de  50 anos ou mais, é menos de 300 km2  (pois parte dos 520 km^2 são o leito existente do rio). A redução da vazão no trecho leste da Grande Volta talvez venha a afetar negativamente uns 200 indígenas.  Esses números devem ser comparados aos 5000 km^2 de floresta amazônica que são destruídos a cada ano para agricultura e pecuária, e com os 60 indígenas que são assasinados a cada ano no Brasil (principalmente em Mato Grosso do Sul, onde mais de 10.000 indígenas estão lutando para reaver suas terras.)  E é preciso enfatizar que os impactos de Belo Monte foram analisados e  tem remediações previstas, enquanto que para estes danos muito maiores não houve nem EIA nem remediação.

Aliás, a reforma do Código Florestal que está tramitando no Congresso, se aprovada, fácil fácil causará danos 1000 vezes maiores ao ambiente e aos indígenas do que Belo Monte.  Quem realmente preza o meio ambiente deveria apontar sua artilharia nessa direção.