From: Jorge Stolfi To: MIME-Version: 1.0 Content-Transfer-Encoding: 8bit Content-Type: text/plain; charset=iso-8859-1 Subject: Reply-to: stolfilocal@ic.unicamp.br BCC: stolfi@ic.unicamp.br --text follows this line-- C. N. Parkinson O Buzato pendurou no seu quadro um artigo do /Economist/ de 1955, em que o historiador britânico C. N. Parkinson apresenta e demonstra uma fórmula matemática que descreve o crescimento de repartições públicas. Esse foi o primeiro de uma série de artigos sobre a adminstração pública e privada, que ele eventualmente publicou em forma de livro (/Parkinson's Law/) em 1958. O livrinho ilustrado foi um best-seller na época, e vale a pena ler. A Lei da Nova Sede Dentre as várias "Leis" enunciadas no livro, esta em particular me ficou na memória: "A decisão de construir uma nova sede geralmente marca o início da decadência de uma instituição." Como nos outros capítulos, Parkinson demonstra esta lei tanto empiricamente --- citando vários exemplos de instituições notáveis que foram para o brejo logo depois de cometer esse passo fatídico --- quanto por detalhadas análises teóricas. A nova sede como causa Em primeiro lugar, ele observou, a construção de uma nova sede, se não é a única causa da decadência, é sempre um fator estressante que contribui para a mesma. Uma nova sede geralmente é um projeto maior e mais complexo do que qualquer coisa que a instituição já construiu. A obra frequentemente consome uma fração considerável das reservas da instituição, deixando-a financeiramente fragilizada e desviando recursos de atividades produtivas para uma obra que pouco ou nada vai contribuir para sua missão. Mais do que dinheiro, o gerenciamento desse projeto consome tempo, atenção e energia dos membros da instituição, especialmente dos dirigentes. As centenas de escolhas que ele envolve inevitavelmente geram rixas e discussões desgastantes, que corroem a moral e espírito cooperativo dos membros. Uma vez terminada obra, muitas vezes se descobre que os benefícios vagamente sonhados eram apenas imaginários, ou que são negados por problemas que ninguém previu. As decepções deixam então os membros da instituição desanimados e a liderança desmoralizada. Muitas vezes, as redes informais de cooperação entre funcionários, que, à revelia da gerência, faziam a instituição funcionar, são destruídas porque seus membros acabam ficando em andares diferentes ou alas distantes. E assim por diante. A nova sede como sintoma Mas Parkinson também observou que a decisão de construir uma nova sede, mais do que uma causa, é um *sintoma* de decadência. Pois uma instituição só progride enquanto seus líderes e funcionários dedicarem o melhor de suas energias à sua missão. Mas quem está fazendo isso não vai querer somar, a todas as preocupações que vêm dessa tarefa, a enorme dor de cabeça de projetar e construir uma nova sede (que no fundo é sempre desnecessária), mais o transtorno da mudança. Portanto, a decisão de embarcar no projeto de uma nova sede é sinal de que a instituição não está mais focalizada em sua missão real. Talvez o objetivo original tenha deixado de existir, ou de fazer sentido; talvez a instituição tenha perdido o interesse nele; talvez seus membros tenham perdido a fé em sua capacidade de atingí-lo; ou sabe-se lá porque. Mas, em qualquer caso, quando a liderança toma essa decisão, é sinal que ela está perdida, e não sabe mais para onde levar seus liderados. Não consegue nem convence-los a retomar a missão original, nem bolar uma nova missão que justifique a existência da instituição. O projeto da sede nova é então um tapa-buraco, uma pseudo-missão que líderes e funcionários usam para esconder --- de si mesmos, e uns dos outros --- a falta de uma missão real. É um objetivo-meio, cuja principal função é esconder a falta de objetivos-fins (ou a falta de vontade de perseguí-los). A sede nova do IC O anseio do IC por uma nova sede encaixa-se direitinho na análise de Parkinson. Quando o primeiro projeto de sede pópria veio à luz, em 2000, a decadência já estava em fase terminal. Para quem não sabe ou não lembra, a diretoria na época fez um projeto completo de uma nova sede, com maquete e tudo, à revelia dos docentes e dos colegiados do IC. (Na verdade, soubemos depois que o rascunho havia sido mostrado a um ou dois docentes; mas, como eles não gostaram, nunca mais foram consultados.) O projeto pronto foi apresentado à Congregação como um fato consumado: nós tínhamos que aprovar o projeto naquela hora, ou perderíamos uma oportunidade supostamente imperdível. Mas o projeto era tão ruim que, pela primeira vez na história do IC, a Congregação votou contra uma proposta da Direção. Ficou evidente, na época, que esse projeto não havia sido motivado por nenhuma necessidade real ligada à nossa missão. Assim como o novo projeto que fomos forçados a aprovar anteontem (e que só hoje nos foi apresentado), em nenhum momento os responsáveis se perguntaram quais seriam os benefícios que ele traria ao IC, e se estes valiam o custo e o trabalho. O objetivo do projeto era então, assim como é hoje, pura "lustração de ego"; era construir algo, não importa se bom ou ruim, que pudesse ser inaugurado --- para fingir que "alguma coisa" foi feita. A inevitabilidade da Lei O mais triste é que a Lei da Sede Nova de Parkinson se aplica mesmo quando os personagens são avisados sobre ela. (Lembra a Lei dos Prazos de Hofstadter, "as coisas sempre demoram o dobro do previsto, mesmo quando a previsão levou em conta a Lei de Hofstadter".) Infelizmente, depois que uma instituição descambou para o "modo sede própria", ninguém mais quer ouvir falar em missão, objetivos-fim e análises custo-benefício. Todos tem sub-consciência de que pensar sobre essas coisas só vai levar a conclusões desagradáveis. Afinal, o propósito do projeto de sede nova é justamente ocupar o cérebro das pessoas, para evitar a entrada de pensamentos que ninguém quer pensar. A Lei de Parkinson não se aplica, obviamente, para prédios funcionais e expansões. Se um banco decide abrir uma nova agência, obviamente é porque ele ainda está se esforçando para ter mais clientes. Se uma indústria começa a construir mais uma fábrica, é porque ela ainda pensa em produzir mais. E se uma escola decide construir mais salas de aulas, é porque ela ainda quer ensinar mais. O projeto que a Diretoria tirou do bolso em 2000 era Parkinson puro. Felizmente a Congregação não caiu naquele buraco; e o projeto do IC-4 feito pela Comissão do Prédio --- baseado em necessidades reais e na nossa missão primeira --- criou um caminho para driblarmos a Lei. Mas, nesta última congregação, fomos obrigados a escolher entre o bloco de aulas do IC-4, que melhoraria muito a vida de nossos alunos, e um pouquinho também a nossa; e um projeto de sede nova, novamente tirado do bolso da Diretoria --- que vai *piorar a vida de todos, em todos os aspectos*. Desta vez a Diretoria tomou cuidado para não cometer o erro que foi feito em 2000, e só mostrou o projeto depois que ele foi votado. Embora o novo projeto tenha todos os defeitos do projeto de 2000 (ou piores), agora não adianta mais discutir ou analisar nada. Parkinson já ganhou. Aliás, ganhou em dobro; pois outra de suas Leis, ainda mais famosa, é "Numa reunião, o tempo gasto em discutir cada item da pauta é inversamente proporcional à quantia envolvida." Pois é. Mas como dizia o poeta: As altas tôrres, que fundei no vento, Levou, em fim, o vento que as sostinha; Do mal que me ficou a culpa é minha, Pois sôbre cousas vãs fiz fundamento. -- Luís de Camões --stolfi PS. Tive uma demonstração grátis da Lei da Sede Nova de Parkinson em Stanford. Durante seu período de ouro, o Computer Science Department estava alojado em dois barracões de madeira, um pouco menores e mais toscos que o IC-1 e IC-2. Quando cheguei em 1979, eles tinham acabado de se mudar para uma ala reformada do prédio principal da Universidade. A sede nova ficava em no local mais prestigioso do campus, e o acabamento interno do prédio era de primeira. Mas ninguém gostou da mudança: o espaço não era visivelmente maior, os corredores eram escuros, os escritórios acanhados, as salas de reuniões pequenas e sem janelas, e assim por diante. Salas de aula, então, nem pensar. Depois de alguns anos, muitos docentes não aguentaram e se mudaram de volta para os velhos barracões. Só uns 20 anos depois dessa primeira mudança é que o Departamento conseguiu construir uma sede adequada --- desta vez, com uma metragem *muito* maior que a área original, com salas de aula e tudo o mais. Portanto, para mim o projeto da Diretoria --- de nos mudarmos para um prédio menor só por questão de fachada --- não é só um dejá-vu, é um duplo dejá-vu, um dejá-dejá-vu. Como disse o vaso de petúnias no Mochileiro das Galáxias, logo antes de se espatifar no chão: "ah não, não de novo!". PS. A Diretoria ao menos poderia ter a sensibilidade de usar uma outra sigla para esse projeto. (Sei que algumas pessoas gostariam de reescrever a história, à la 1984, e fingir que o projeto do IC-4 que o Instituto fez nunca existiu. Mas acontece que esse projeto é real, muito real --- uns duzentos mir real, pra ser mais perciso. Ao jogar fora sumariamente esse monte de dinheiro, esta Diretoria está começando sua gestão com uma baita "desrealização".) Como sugestões para a sigla do novo projeto, ofereço: IC-4*i (onde i = \sqrt{-1}; pois o aumento de área em relação ao IC-1+2 será de uns -400 metros quadrados, equivalente a um salão de 20*i por 20*i metros) IC-000 (de "informação zero, discussão zero, estaca zero") IC-FsoAQI ("Fodam-se os Alunos, Queremos Inaugurar")