# Last edited on 2011-06-14 01:24:41 by stolfilocal # TV Digital e qualidade de imagem A passagem da TV analógica para TV digital --- quer via cabo, quer via satélite --- foi sem dúvida um progresso do ponto de vista de resolução nominal da tela e quantidade de canais. Porém, a esperada melhora na qualidade, tanto da imagem quanto do conteúdo, não aconteceu. Aqui vai minha explicação para esse paradoxo. Na TV analógica, cada canal recebia em concessão uma largura de banda fixa, isto é, uma capacidade fixa de transmissão de informação (medida em bits por segundo). Havia competição direta entre os canais pela audiência, que determinava diretamente a renda de publicidade. Em consequência destas condições técnicas e mercadológicas, cada canal naturalmente se esforçava em produzir, além do melhor conteúdo possível (segundo o gosto do usuário médio), a melhor imagem possível com esse número fixo de bits por segundo. Com a TV digital, por outro lado, é a conexão do receptor ao satélite ou cabo que tem uma capacidade fixa de transmissão, que é compartilhada entre todos os canais sintonizáveis pelo usuário. Em teoria, tanto o número de canais quanto a divisão dessa banda entre eles são escolhas arbitrárias da empresa que vende a conexão de satélite ou cabo. Além disso, o modelo de negócios da TV digital tem diferenças cruciais em relação ao anterior. Uma delas é a inserção de uma empresa intermediária --- a provedora da conexão de cabo ou satélite --- entre as empresas produtoras de conteúdo, como a Globo e a Record, e os usuários. Outras diferenças incluem a possibilidade de que uma mesma empresa produtora de conteúdo ofereça mais de um cnal; a venda de canais em pacotes, em vez de individualmente; e a venda e gerência do espaço de publicidade pela provedora, em vez das emissoras. Essas diferenças fazem com que na TV digital haja menos concorrência direta por audiência entre os canais do que havia com a TV analógica. Por um lado, a provedora é geralmente dona da rede de cabos ou da faixa do satélite, e portanto tem praticamente um monopólio do mercado na sua área de serviço. Além disso, a venda de canais em pacotes tende a fazer com que a renda de cada emissora seja menos dependente da qualidade da sua própria programação e mais dependente da variedade de canais incluídos no mesmo pacote. Essas diferenças mudam completamente as forças que definem evolução do sistema. Em vez de procurar melhorar a qualidade da imagem e do conteúdo de cada canal, o objetivo natural da provedora passa a ser aumentar ao máximo o número de canais, pois esse é o principal atrativo para novos assinantes. E, se os canais adicionais forem ocupados pelas mesmas empresas produtoras, o aumento de canais não será contrário aos interesse delas. Mas, obviamente, quanto mais canais, menor a fatia da capacidade total que será alocada a cada canal. Isso acarreta imagens mais borradas, e maior taxa de falhas --- como as manchas quadradas e os congelamentos momentâneos que os usuários desses serviços bem conhecem. A provedora sabe que, se reduzir gradualmente a qualidade de todos os canais ao mesmo tempo, os usuários terão que se acostumar --- pois a única alternativa deles seria deixar de assistir televisão. Ou seja, a estratégia mais vantajosa para as empresas passa a ser a de piorar a qualidade do serviço e aumentar a variedade aparente (número de canais); sem aumentar, ou mesmo diminuindo, a variedade real (número de produtoras independentes). É a mesma situação de uma lanchonete que, não tendo concorrência e contando com uma clientela cativa, mantém os preços mas diminui aos poucos a grossura do hamburguer e a variedade do cardápio. Enquanto persistirem essas condições, não vejo como essa tendência pode ser revertida. Para defender os interesses dos usuários e realizar todo potencial da TV digital na melhora da nossa vida, creio que é necessária uma mudança nas leis, de modo a restaurar a concorrência entre os canais e incentivar a evolução tecnológica na direção de melhor serviço. Minha idéia para tal seria limitar rigorosamente o papel da provedora ao serviço de transmitir bits, de maneira totalmente neutra em relação ao conteúdo; limitar cada produtora independente a um canal no máximo; garantir aos usuários o direito de assinar canais individualmente; e estabelecer uma capacidade fixa (em bits por segundo, após compressão e codificação) para cada canal.