+------------------------------------------------------------------------+ 001 | O desembarque dos aliados na Sicília em 10 de julho de 1943 e a | 002 | rapidez com que os anglo-americanos avançam na ilha semeiam espanto e | 003 | consternação no país, criando decepção e preocupação no governo e | 004 | aumentando o mau humor no Partido Fachista e no alto comando militar. | 005 | A notícia alcança MUSSOLINI na sua residência em Villa Torlonia; os | 006 | MILITARES o informaram que as defesas estão "agüentando", mas naquela | 007 | tarde mesmo, quando o Duce volta ao Palácio Venezia, levam-lhe a | 008 | notícia que a base de Augusta já foi conquistada pelas tropas | 009 | inglesas. Não há realmente motivos para tranqüilidade mesmo porque nos | 010 | dias 11 a 14 a situação na ilha fica sensivelmente pior para as tropas | 011 | do Eixo. No dia 16 um grupo de membros da cúpula fachista pede | 012 | audiência a Mussolini: além do secretário do partido SCORZA, fazem | 013 | parte da delegação ACERBO, BOTTAI, DE BONO, DE CIECO, DE VECCHI, | 014 | FARINACCI, GIURIATI e TERUZZI. Como explica SCORZA, audiência foi | 015 | motivada pelo fato de que por um lado todos os chefes fachistas foram | 016 | mobilizados para re-erguer com discursos propagandísticos a moral do | 017 | povo, mas por outro eles foram deixados sem diretivas, e na ignorância | 018 | do que acontece na Sicília. Por fim, respondendo à pergunta explícita | 019 | de MUSSOLINI ("afinal, o que vocês querem?") responde SCORZA avançando | 020 | timidamente a proposta de reunir o Grande Conselho do Fachismo, o | 021 | órgão supremo do regime. Em apoio a SCORZA intervém alguns membros da | 022 | cúpula (BOTTAI, FARINACCI, GIURIATI) os quais com argumentos variados | 023 | tentam convencer o Duce de que aquela era a sede mais oportuna para | 024 | debater um problema tão importante para o destino da nação. (BOTTAI | 025 | fez notar entre outras coisas que a última sessão do Grande Conselho | 026 | ocorrera em 7 de dezembro de 1939). MUSSOLINI porém reage ao pedido | 027 | com um adiamento afirmando que naqueles dias precisava preparar seu | 028 | encontro com Hitler (marcado para Feltre no dia 19) e examinaria o | 029 | assunto quando de sua volta a Roma. A audiência estava encerrada. Da | 030 | convocação do Grande Conselho fala-se novamente depois da reunião em | 031 | Feltre, e depois do primeiro bombardeio aéreo de Roma nesse mesmo 19 | 032 | de julho. Na manhã de 21 de julho o secretário do partido, SCORZA, | 033 | anuncia a GRANDI que o DUCE lhe deu ordem de convocar o órgão supremo | 034 | do regime: a convocação foi marcada para as 17 horas do dia 24. Na | 035 | tarde do mesmo dia GRANDI termina a primeira redação provisória de uma | 036 | ordem do dia que pretende apresentar ao Grande Conselho com a intenção | 037 | de obter um esclarecimento definitivo com o Duce. GRANDI envia uma | 038 | cópia imediatamente a SCORZA, mais tarde submete o texto à atenção de | 039 | PEDERZONI e BOTTAI e constata que estão solidários com ele. No dia | 040 | 22 o documento destilado por GRANDI vai parar na mesa de Mussolini: | 041 | tinha-o levado o próprio SCORZA, atormentado pelo problema da lealdade | 042 | para com o Duce. Segundo SCORZA, a reação de Mussolini foi violenta. | 043 | "O DUCE," escreveu Sforza, "subiu às paredes..., e acrescentou que era | 044 | finalmente chegado o momento de botar as cartas na mesa..." De | 045 | qualquer forma, foi decidido que seria apresentada e submetida ao | 046 | Grande Conselho uma ordem do dia com teor oposto à de Grandi. No dia | 047 | 24 de julho, nas primeiras horas da tarde, DINO GRANDI dita o texto | 048 | definitivo da sua ordem do dia: o passo mais importante é aquele onde | 049 | se declara que "é necessária a retomada imediata de todas as funções | 050 | do Estado, atribuindo à Coroa, ao Grande Conselho, ao Governo, ao | 051 | Parlamento, às Corporações os encargos e as responsabilidades | 052 | estabelecidas nas nossas leis estatutárias e constitucionais." O | 053 | Grande Conselho do Fachismo deve além disso insistir junto ao rei | 054 | "para que Ele queira..., assumir com o comando efetivo das forças | 055 | armadas de terra, do mar e do ar..., a iniciativa de decisão suprema | 056 | que as nossas leis Lhe atribuem..." Trata-se de uma verdadeira e | 057 | própria rebelião contra Mussolini. GRANDI faz com que o rei receba uma | 058 | cópia do seu documento, juntamente com um bilhete no qual entre outras | 059 | coisas pede a Vittorio Emanuele, "nesta hora grave e decisiva para o | 060 | destino da nação e da monarquia," de não abandonar a Pátria. Às 17 | 061 | horas em ponto do dia 24 de julho tem início a reunião. Participam | 062 | dela além dos dois quadrúmviros DE BONO e DE VECCHI, do secretário do | 063 | partido SCORZA e do presidente do Senado SUARDO, GRANDI, ACERBO, | 064 | CIANO, GALBIATI, PARESCHI, POLVERELLI, FARINACCI, ALBRINI, FRATTARI, | 065 | GOTTARDI, ROSSONI, DE MARSICO, BIGGINI, FEDERZONI, BASTIANINI, BOTTAI, | 066 | CIANETTI, TRINGALI-CASANOVA, ALFIERI, DE STEFANI, BALELLA, | 067 | BUFFARINI-GUIDI, BIGNARDI e MARINELLI. MUSSOLINI faz um longo | 068 | preâmbulo de auto-defesa no qual recorda como se chegou à convocação | 069 | do Grande Conselho, resume a situação militar em várias frentes, | 070 | declara que não foi ele a querer assumir o comando supremo das forças | 071 | armadas, mas que o encargo lhe foi atribuído em 16 de junho de 1940 | 072 | pelo rei; conta depois em linhas gerais os principais acontecimentos | 073 | do conflito, desde o desembarque anglo-americano no norte da África ao | 074 | abandono da Tunísia pelas forças do Eixo, da queda de Pantelleria ao | 075 | desembarque aliado na Sicília. Começa a discussão: a fala mais | 076 | esperada é obviamente a de GRANDI que expõe sua ordem do dia falando | 077 | incisivamente, sem meias palavras, como justamente pediu MUSSOLINI na | 078 | sua fala inicial. Das palavras de GRANDI sai um fato desconcertante: o | 079 | fachismo se rebela contra seu chefe. De sua parte, o ex-ministro do | 080 | Exterior CIANO (genro do Duce) acusa a Alemanha de ter sido a primeira | 081 | a não respeitar seus tratados e que de qualquer forma a situação é tão | 082 | grave que nem os sacrifícios mais pesados poderão reacender qualquer | 083 | esperança de vitória. Por volta de meia-noite SCORZA propõe o recesso | 084 | da reunião até o dia seguinte. Mas GRANDI se opõe energicamente e o | 085 | DUCE concorda, mas suspende a sessão por meia hora. Enquanto MUSSOLINI | 086 | conversa com SCORZA e outros fidelíssimos, GRANDI recolhe as | 087 | assinaturas daqueles que pretendem apoiar sua ordem do dia. O primeiro | 088 | a assinar é DE BONO, depois assinam DE VECCHI e CIANO, e então ACERBO, | 089 | DE STEFANI, CIANETTI, DE MARSICO, PARESCHI, GOTTARDI, BALELLA, | 090 | BIGNARDI, GUARDO, ROSSONI, ALBINI, e MARINELLI. Na retomada da sessão, | 091 | GRANDI coloca sobre a mesa de Mussolini a ordem do dia assinada. | 092 | Seguem-se outras falas que definem as posições individuais dos membros | 093 | do Grande Conselho: quando é espicaçado, MUSSOLINI replica conseguindo | 094 | por breves instantes a fazer pender o fio da balança, como quando | 095 | exclama que se com esse documento se pretende acabar com o regime é | 096 | melhor dizer isso claramente. Mas GRANDI apara o golpe declarando que | 097 | a pessoa do Duce não está em discussão ("il Duce non c'entra."). Entre | 098 | acusações, desabafos pessoais, respostas ácidas e retratações, | 099 | chegamos às 3 da madrugada, quando MUSSOLINI declara aberta a votação | 100 | sobre as ordens do dia apresentadas, a de GRANDI, justamente, e a de | 101 | SCORZA, de apoio incondicional ao Duce. O documento de GRANDI é | 102 | aprovado com 19 VOTOS FAVORÁVEIS e 8 CONTRÁRIOS mais 1 ABSTENÇÃO. "A | 103 | ordem do dia de Grandi é aprovada," diz MUSSOLINI, e continua: | 104 | "Senhores, com essa ordem do dia vocês abriram a crise do regime." No | 105 | dia seguinte, 25 de julho, MUSSOLINI é convocado por volta das 17 | 106 | horas pelo REI, que já decidiu por sua conta descartá-lo de uma vez | 107 | por todas. Em todo caso o voto "de desconfiança" do Grande Conselho | 108 | facilita sensivelmente sua tarefa: e a MUSSOLINI que lhe faz notar que | 109 | o voto, segundo a lei, tem apenas valor consultivo, VITTORIO EMANUELE | 110 | III responde seco: "Não, caro Duce, o voto do Grande Conselho é | 111 | tremendo na sua substância, não tenha ilusões a respeito." MUSSOLINI | 112 | parece resignado. Pergunta-se: "O que será de mim? E da minha | 113 | família?". O REI o tranqüiliza e às 17:20 o acompanha até a porta. | 114 | Meia hora depois o chefe das forças armadas PIETRO BADOGLIO recebe do | 115 | SOBERANO o encargo de criar o novo governo: uma de suas primeiras | 116 | disposições é proibir qualquer indiscrição sobre a noite do Grande | 117 | Conselho. Texto de DANIELE CECCHI traduzido por Jorge Stolfi. ####### | +------------------------------------------------------------------------+
(Mussolini foi preso no dia seguinte pela polícia italiana. Dois meses depois o novo governo, apesar de ainda fachista e nominalmente aliado de Hitler, assinou secretamente um armistício com os aliados. Os alemães invadiram prontamente a Itália e libertaram Mussolini, enquanto o rei e Badoglio fugiram de Roma, deixando o país sem governo e o exército sem comando. O país entrou em caos, o exército foi desbandado, e surgiu a guerrilha de resistência contra a ocupação alemã, os "partigiani". Com apoio alemão, Mussolini tentou recriar um governo fachista no norte da Itália, mas o avanço aliado o obrigou a fugir. Pouco antes de chegar à fronteira com a Suíça, em 27 de abril de 1945, Mussolini, sua amante Claretta Petacci e a escolta de soldados alemães foram interceptados e reconhecidos por um bando de guerrilheiros. Mussolini e Claretta foram mortos naquela mesma noite, e na manhã seguinte seus corpos foram levados para Milão onde ficaram o dia inteiro expostos na praça Loreto, num posto de gasolina, pendurados pelos pés.)
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