O relatório da Unicamp - I
Date: Sat, 12 Oct 2002 00:14:34 -0300 (EST) From: Jorge Stolfi <stolfi@ic.unicamp.br> To: "J. R. Figueiredo" <jrfigue@fem.unicamp.br> > [J. R. Figueiredo:] Estranhos fenômenos das urnas eletrônicas! E > a UNICAMP? Uma comissão de peritos da UNICAMP legitimou, perante > a população brasileira, o atual sistema de apuração eletrônica > dos votos. Por isto a UNICAMP tem o dever de atentar para pelo > menos dois inexplicáveis eventos que ocorreram ao longo da > apuração oficial. Prezado Prof. Figueiredo, Compartilho plenamente sua preocupação quanto à confiabilidade do sistema de votação eletrônica, e estou igualmente perplexo e surpreso quanto a esse laudo "da Unicamp" que supostamente garante sua segurança. Na verdade, qualquer pessoa minimamente competente em informática sabe que um sistema eletrônico de votação é inerentemente e infinitamente menos seguro que o sistema tradicional, com cédulas físicas e contagem manual --- pois elimina o único elemento que pode garantir um mínimo de segurança ao processo, que é a fiscalização *efetiva* e *independente* de todas as etapas pelas partes adversárias. Para citar apenas um dos pontos fracos do atual sistema, é simplesmente impossível garantir que o programa que estava sendo executado no domingo passado, em cada uma das milhares de urnas espalhadas pelo país, era realmente o programa que lá deveria estar. Os fiscais de partido obviamente não tinham meios de verificar isso durante a eleição; e mesmo "hackers" com nível colegial sabem fazer programas "cavalos de Tróia" que escondem sua existência dos operadores, e apagam a si mesmos, sem deixar vestígios, após ter cumprido sua missão. Por essas e outras, nossa confiança no atual sistema eletrônico de votação depende exclusivamente da nossa confiança na integridade, incorruptibilidade, infalibilidade e vigilância contínua das empresas e funcionários públicos responsáveis pela implementação e operação do sistema. Ora, os antecedentes históricos --- como o caso da Proconsult, a violação de sigilo de votação no Senado, as oitenta e tantas urnas espúrias abandonadas em Brasília, e os inúmeros casos de "hackers" infiltrando redes bancárias e militares supostamente inexpugnáveis --- simplesmente não deixam nenhum espaço para tal confiança. Em vista dessas falhas fundamentais do sistema, eu diria que os problemas técnicos observados na apuração --- votos negativos e tudo o mais --- são até de menor importância. Eles apenas demonstram que a qualidade do software empregado no sistema deixa muito a desejar. É difícil evitar a conclusão de que a Justiça Eleitoral está, no que tange a informática, no mínimo mal servida, e muito mal assessorada. Infelizmente, não é a primeira vez que o nome da Unicamp (para não dizer o futuro do país) é prejudicado por uma perícia irresponsável. Em defesa da Universidade e deste Instituto, devo dizer que nem a escolha dos peritos, nem seu relatório tiveram qualquer aval da comunidade ou dos órgãos colegiados correspondentes. Na verdade, nós docentes do IC ainda ignoramos a identidade dessas pessoas, bem como o conteúdo do laudo; nós só ficamos sabendo de sua existência pelos jornais, e, até hoje, tudo o sabemos a respeito é o que foi publicado na mídia. Devo aliás lembrar que, segundo os jornais, a própria Comissão de Perícias da Unicamp havia aconselhado a universidade a não aceitar tal incumbência; conselho esse que, ao que parece, foi simplesmente ignorado pelos autores do laudo. Portanto, não creio que seja justo apresentar esse relatório como um laudo "da Unicamp". Como desconheço o conteúdo do relatório, não sei dizer se o aval que o mesmo supostamente deu à segurança do sistema é resultado de incompetência ou falta de cuidado da comissão, ou é uma extrapolação indevida de suas conclusões por parte da Justiça Eleitoral. Quero crer que se trata deste último caso --- que aliás, segundo me consta, era justamente a preocupação que motivou a recomendação contrária da Comissão de Perícias da Unicamp. Se for este o caso, creio que os autores do laudo tem a obrigação de desfazer publicamente esse mal-entendido, o quanto antes. > É fundamental que a voz do povo seja ouvida neste decisivo > segundo turno, e isto demanda intensa fiscalização de todo o > povo. Mas a UNICAMP, em particular, precisa se manifestar no > sentido de que a vontade das urnas seja a vontade do povo. Estão > em jogo a democracia neste país, e o nome desta Universidade! Concordo plenamente. Espero que o silêncio dos meus colegas de Instituto não seja interpretado como apoio a esse laudo, que, torno a repetir, não pode ser considerado um laudo "da Unicamp", mas apenas dos seus anônimos autores. E espero que estes últimos se dêem conta de que estão devendo urgentes explicações --- não apenas aos seus colegas, mas ao País. Jorge Stolfi Professor Titular Instituto de Computação - Unicamp