# Excerpts from the book # "A Língua Pirahã e a Teoria da Sintaxe - Descrição, perspectivas e teoria" # by Daniel Leonard Everett # Editora da UNICAMP, Campinas, SP (1991), 400pp. # # p 201 22.2.3. Tom Heinrichs (1964) e Sheldon (1974) propuseram três níveis fonéticos-fonêmicos de tom para o pirahã. No meu trabalho de campo e análise da língua, cheguei a fazer duas modificações no sistema proposto pelos trabalhos mencionados acima. (Ver KE, 1978 para um estudo conciso do tom. Foi este trabalho que incentivou a análise que se segue.) Em primeiro lugar, observamos um quarto tom fonético (faço mais uma advertência ao leitor aqui - estas conclusões não tem sido verificadas no laboratório ainda. Embora seria muito inesperado ser forçado a modificar drasticamente a análise proposta aqui, quero apenas destacer o fato de que a discussão que se segue não foi "verificada". Ver Grimes (1981) para um estudo inicial que leveou em conta um corpus muito restrito.). Este quarto tom, o de "baixo baixado" (simbolizado por '+') foi observado. Em segundo lugar, certos processos fonológicos foram descritos (ver abaixo), que permitem a postulação de dois, em vez de três, níveis tonais no nível subjacente. Segundo os critérior classificatórios sugeridos por Pike (1948), o sistema tonal do pirahã seria por registros e não por contornos. Referimos ao[[sic]] leitor mais uma vez aos trabalhos mencionados na seção 22.2.1., especialmente Everett (em preparação a.) para uma argumentação mais detalhada das conclusões apresentadas aqui. A distribuição dos registros tonais é a seguinte: (onde {A/´} = 'tom alto ; {M/¯} = 'tom medio ; {B/`} = 'tom baixo ; e{B+/+} = 'tom baixo baixado') [[Note: in what follows, I am using umlaut "¨" instead of macron "¯", and "^" instead of "+", because of ISO Latin-1 accented letter limitations. --stolfi]] (i) dentro das sílabas não finais com seqüências de vogais geminadas, apenas as seqüências tonais MM, MB, BA ou B+B+ podem ocorrer. As seqüências AA, AB e BB nunca ocorrem nestas posições: (431) (a) [ àá ' háí hï ] (b) / àá háí hì / "Açúcar" [["Sugar"]] (432) (a) [ mïï ' pàì ] (b) / bíípàì / "Sangue" [["Blood"]] (433) (a) [ 'tôô gî ? ¸î ] (b) / tòògì?ì / "Enxada" [["Hoe"]] (434) (a) [ ' ^c ï ì hí ] (b) / tíì hí / "Povo" [["People"]] (ii) A seqüência B+ (X) B não ocorre, exceto quando B está na posição final da palavra ou X contém o tom M (X = variável). (435) (a) [ Pôô gâ 'hâî ] (b) / pòò gà hàì / "Flecha de peixe" [["Arrow for fishing"]] [[...]] (iii) (a) o tom A nunca ocorre adjacente ao tom baixo baixado; (b) A nunca ocorre no início da palavra quando seguido imediatametne por tom baixo ou tom baixo baixado; (c) A nunca ocorre no ambiente {B/B+}X----{B/B+}Y a não ser que Y= # e X = consoante. Porém, M ocorre em todos os ambientes (a) - (c). [[...]] (iv) o tom B nunca ocorre imediatamente anterior ou posterior a M ou A nas posições médias ou finais exceto no ambiente: [ + consonatal ] òí #; (b) B nunca ocorre em seqüências como X{M/A}---{A/#} [[...]] (v) B varia com M em certas palavras: (448) (a) [ 'pàásì ] (b) [ pàásï ] (c) / pàásì / "Espécie de fruta" [["Kind of fruit"]] (449) (a) [ '?ìísì ] (b) [ '?ìísï ] (c) / [sic]ìísì / "Espécie de fruta" [[Two other similar examples, both with final "ì"/"ï" alternation.]] [[...]] # p 205 22.3. Segmentos fonéticos e ortografia 22.3.1. Fonemas Os traços fonéticos desta seção são de Pike (1949) e Derbyshire (1979). 22.3.1.1. Inventário fonêmico: p, t, k, , b, g, s, h, i, a, o 22.3.1.2. Processos fonêmicos básicos: 22.3.1.2.1. Consoantes surdas Todas as consoantes surdas são mais longas (tensas) que as sonoras, em todas as posições (veja-se a seção 22.1.1.). 22.3.1.2.1.1. Oclusivas p bilabial; t ápico-alveolar; k dorso-velar; glotal (representado como x). O p varia com p (implosivo) em certos idiolectos (cf. seção 22.3.1.3.); o t é realizado como africada lâmino-alveopalatal antes de i; o k se realiza como dorso-pré-velar antes de i e como dorso-pós-velar quando precedido e seguido por a. 22.3.1.2.1.2. Fricativas s ápico-alveolar; h glotal. O s se realiza opcionalmente como lâmino-alveopalatal antes de i. 22.3.1.2.2. Consoantes sonoras b bilabial; g dorso-velar. O b se realiza opcionalmente como nasal bilabial depois da pausa e como vibrante bilabial antes de o. O g se realiza opcionalmente como nasal ápico-alveolar depois de pausa. Outro alofone de g, , tem sido documentado em Everett (1982). Este alofone é um flap lateral ápico-alveolar/sublâmino-labial egressivo. Este não tem sido registrado em nenhuma outra língua do mundo. Os alofones vibrantes das oclusivas sonoras têm bastante importância sociolinguística. Ver Everett (a sair c., em preparação a.). 22.3.1.2.3. Vogais i anterior média alta; a central baixa fechada; o posterior média alta fechada arredondada. O i é realizado (livremente) por todas as vogais anteriores médias e altas: [], [e], [ ], [ i ]. O o se realiza como posterior alta fechada arredondada | u |, depois de h ou k e antes de i. Todas as vogais são nasalizadas opcionalmente depois de [ m ], [ n ], /x/, ou /h/. 22.3.1.3. Variação livre A gramática do pirahã é especialmente marcada por um alto grau de 'regras adicionais' ou variação livre. Everett (a sair c.) discute um caso em particular envolvendo b e g que é restrito por fatores sociolinguísticos. Porém há vários casos de variação livre que, aparentemente, ocorrem sem restrição alguma. Além dos casos já mencionados acima ( p ~ p, s ~ , b ~ ~ m, g ~ h) temos registrado também os seguintes: (i) em muitos idioletos, p e k são trocáveis: (452) píaii ~ kíaii "Também" (~ = varia com) (453) xapaí ~ xakaí "Cabeça" (ii) num número menor de idioletos, p, t e k são trocáveis: (454) koxopai ~ koxokai ~ koxotai etc. "Estômago" "etc." quer dizer que a variação ocorre nas outras posições da palavra também. (455) tapaí ~ takaí ~ tataí etc. "Nome próprio" (iii) na maioria dos idioletos, (=x) varia com k no início da palavra: (456) kosí ~ xosí "Olho" (457) kohoáipí ~ xohoáipí "Comer" (iv) em vários idioletos masculinos (cf. a seção 22.3.2.) o s varia com h em sílabas finais (da palavra): (458) kohoibiísai ~ kohoibiíhai "Espécie de peixe" (459) xapisí ~ xapihí "Braço" (v) em todos os idioletos registrados, hi varia com k; ho varia com kw e hoa varia com kwa e ko (ver Everett, em preparação a., para uma discussão desta variação e seu interesse em relação à teoria autosegmental de Goldsmith (1976)). (460) xohoaógií ~ xakwaógií ~ xakoógií "Nome próprio" (461) hói ~ kwi "Um" (462) hiaba ~ ka[[sic]] "Não / negativo do indicativo" 22.3.2. Distinções entre a fala dos homens e a fala das mulheres 22.3.2.1. Inventário segmental Na fala das mulheres, s sempre se realiza como h antes de i, opcionalmente nas demais posições. Ademais, os fatores sociológicos que afetam a distribuição na fala de homens não são relevantes à fala de mulheres (cf. Everett, a sair c.). 22.3.2.2. Postura da fala A fala das mulheres é mais gutural do que a dos homens. Suspeito que isso está relacionado a uma contração das paredes faringais na postura feminina, embora não tenha investigado muito esse assunto devido a restrições sociais e falta de instrumentos. SS (comunicação pessoal) sugere que existem distinções sintáticas entre a fala dos homens e a das mulheres. Não registrei nenhuma evidência disto na minha pesquisa (tampouco na pesquisa de minha esposa), mas a possibilidade continua em aberto. 2.3.3. Processos morfofonológicos [[...]]