> [ Igor Zolnerkevic:] > gostaria de incluir no texto a opinião de > outro pesquisador que já tenha analisado o manuscrito, > comentando o que esses novos estudos trazem de interessante. Prezado Igor, Concordo com a avaliação dos autores de que esses dois artigos, bem como vários outros, contribuem para desmentir a tese de que o manuscrito é um texto aleatório sem sentido. A tese do "trote" ganhou certa popularidade há alguns anos, mas, como os autores acima notam, seus proponentes ainda não conseguiram descrever um processo plausível de geração de texto aleatório que consiga reproduzir as peculiaridades estatísticas e estruturais do "voinichês", a lingua do manuscrito. Por outro lado, cada novo estudo do manuscrito aponta detalhes que são característicos de línguas naturais mas improváveis em textos aleatórios. Eu mesmo estudei bastante o manuscrito entre 1997 e 2004, e ainda espero voltar a estudá-lo quando tiver mais tempo livre. As conclusões dos dois artigos acima concordam com as minhas: em particular, a língua é relativamente homogênea dentro de cada seção do manuscrito, e tem diferenças esperadas de seção para seção. Muitas das figuras tem rórulos afixados, que, pelo que entendi, foram ignorados pelos autores acima, ou analisados por eles como parte do texto. Analisados separadamente, observa-se que esses rótulos tem a mesma estrutura morfológica das palavras do texto; mas, ao contrário destas, praticamente não se repetem. Com poucas exceções, cada rótulo é usado apenas uma vez - como seria de se esperar numa lista de nomes de estrelas, plantas, etc.. Por outro lado vários desses rótulos ocorrem também no texto, não longe da figura rotulada. Tenho uma pequena discordância com um dos artigos, onde ele afirma que nenhuma das plantas desenhadas foi identificada. Na verdade há três plantas identificadas com certa confiança: um tipo de nenúfar, o amor-perfeito selvagem (/Viola tricolor/), e a avenca (/Adiantum aethiopicum/). Infelizmente as três plantas tem ocorrência mundial, e portanto não ajudam a localizar a origem do manuscrito. A semelhança textual entre s seções "herbal" e "pharma", observada pelos autores é outro detalhe significativo: pois, além das duas seções terem desenhos de plantas, alguns dos desenhos na seção "herbal" parecem ser desenhos realistas da seção "pharma", passados a limpo e completados com detalhes mais ou menos fantásticos. De minha parte, estou plenamente convencido de que o texto do manuscrito tem sentido. Eu inclusive arriscaria dizer que é uma transcrição fonética de alguma língua do Leste Asiático, feita por um europeu, provavelmente sob ditado de um nativo, usando um alfabeto inventado pelo autor para esse fim. Há vários indícios que apontam nessa direção, como a frequência de palavras repetidas (rara nas línguas européias mas comum nas asiáticas), o número de palavras distintas em função do número de letras, e a estrutura morfológica das palavras. Há pelo menos três grandes famílias de linguas asiáticas com essas propriedades estruturais e estatísticas, incluindo o tibetano, as línguas da China, e várias línguas da Indochina, como o vietnamita, o cambodiano e o tailandês. Em todas essas línguas, as palavras são essencialmente monossilábicas, com estrutura fonética que casa muito bem com a morfologia das palavras do voinichês. Além disso, muitas dessas línguas usam a intonação da voz com valor fonético, o que poderia justificar a invenção de um alfabeto próprio para sua transcrição (em vez do uso do alfabeto latino). As "letras" do alfabeto voinichês aliás são muito simples (geralmente formadas com apenas um ou dois traços de pena) e parecem ter sido escolhidas com o objetivo de tornar a escrita o mais rápida possível. Infelizmente não sei como progredir nessa direção, pois não domino nenhuma dessas línguas -- muito menos suas versões de 500 anos atrás, que, pelo que me consta, eram muito diferentes das atuais. Além disso, para cada língua há muitas possibilidades na escolha do sistema de transcrição: compare-se por exemplo "Mao Tse-Tung" e "Mao Zedong", o mesmo nome em mandarim escrito com duas convenções ortográficas diferentes. Finalmente, pode-se esperar que a transcrição tenha muitos erros e inconsistências ortográficas, e também que o manuscrito que temos seja uma cópia imperfeita de um original ou rascunho perdido. Em vista de todas essas complicações, mesmo supondo que minha hipótese esteja correta, não me arrisco a prever quando o manuscrito será decifrado: talvez amanhã, talvez daqui a cem anos... Espero que isto ajude. Obrigado pelo interesse; se precisar de mais informações, estou às ordens. --stolfi -- Jorge Stolfi Full Professor/Professor Titular Instituto de Computação/Institute of Computing UNICAMP