Depoimento de José Ramon Trindade Pires (Mestrado – 2013, Doutorado – 2018) – Prêmio CTD da SBC 2019

Ter a Tese de Doutorado reconhecida pela Sociedade Brasileira de Computação como a melhor em Ciência da Computação de 2019, de acordo com os resultados científicos e tecnológicos, assim como potencial de impacto na sociedade e no estado da arte na área, foi uma recompensa de valor incalculável mediante os esforços e dedicação despendidos em minha jornada. O prêmio pertence também ao Prof. Dr. Anderson de Rezende Rocha, ao Prof. Dr. Jacques Wainer, bem como a todos que colaboraram para a realização do trabalho, e cuja inestimável participação foi essencial para concretizar o sonho de ter a tese reconhecida da melhor forma possível. O prêmio vem também para sacramentar o Instituto de Computação da UNICAMP como um dos maiores destaques no CTD-SBC, ratificando a excelência do instituto na formação dos estudantes, bem como no oferecimento de todas as condições necessárias para o desenvolvimento de excelentes trabalhos de elevado impacto.

Minha Trajetória na Pós-Graduação

Minhas origens e graduação
O meu sonho, quando era criança, era ter um computador. Sou de uma família grande, humilde, residente em uma cidade de 20 mil habitantes no interior da Bahia. Filho de uma professora de ensino fundamental em escola pública com carga horária de 60 horas semanais, ajudava a minha mãe na elaboração de atividades e sempre dizia: “mãe, eu quero um computador de presente de Natal”. Após anos recusando bicicleta, finalmente ganhei um PC. Oriundo de escola pública, ao concluir o ensino médio estava seguro de que faria o curso de Ciência da Computação.

Me mudei para Vitória da Conquista em 2006 e fiz minha graduação na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Fazia parte de um grupo que era chamado por alguns professores como “a elite”. Não por termos privilégios ou regalias, mas por corrermos atrás para que a turma fosse afetada o mínimo possível pelas repetidas greves, e principalmente por sermos vistos como aqueles que fariam uma pós-graduação e eventualmente voltariam para melhorar o sistema de ensino da universidade. Durante a graduação, participei de projetos de extensão, mas pesquisa era algo que pouco se ouvia falar. Apesar da UESB ainda não ter estrutura para projetos que estimulem os alunos a realizar pesquisa acadêmica, tive contato com excelentes professores que contribuíram para a minha formação.

Ao finalizar a graduação, junto aos colegas me inscrevi para o mestrado em algumas universidades, e tinha uma difícil escolha pela frente: UFSCar, onde parte dos amigos iriam, ou UNICAMP, o primeiro curso de computação do país e que se destacava por diversos fatores. Entrei em contato com professores na área de inteligência artificial de ambas as universidades, e entre os poucos que me responderam, Anderson Rocha teve uma paciência em ouvir as dificuldades que eu tinha naquele momento, e chegou a entrar em contato para saber se eu já havia tomado a decisão. Entre as coisas que ele me disse, se destaca a possibilidade de viver tranquilamente com uma bolsa de estudos em Campinas. E outra ficará para sempre na memória: “Campinas é o Vale do Silício brasileiro”. Com isso, decidi fazer a minha pós-graduação na UNICAMP, sob orientação do professor Anderson Rocha.

Mestrado e terceiro colocado no CTD-SBC
Ao ser apresentado aos possíveis temas de trabalho, prontamente escolhi o tema de auxílio ao diagnóstico de retinopatia diabética (maior causa de cegueira na população adulta mundial, de acordo com a Organização Mundial de Saúde). Durante toda a minha trajetória como pós-graduando, sempre trazia comigo o propósito de não apenas produzir artigos acadêmicos e participar de conferências, mas também de colaborar diretamente com o auxílio ao diagnóstico e que os métodos algum dia fossem aplicados em benefício à sociedade.

Entretanto, a trajetória durante o mestrado foi um caminho muito árduo, tanto de caráter acadêmico como pessoal. A princípio eu me sentia inseguro por não ter feito iniciação científica, e sentia que o meu caminho seria muito mais difícil que o dos demais ingressantes do mestrado. Para agravar ainda mais, eu iniciei a pós-graduação após ter descoberto recentemente a possibilidade de ser portador de uma doença neurológica.

Em meio a situações adversas — dificuldades nas disciplinas; adaptação ao estudo da literatura, realização de experimentos e escrita de artigos; crises onde precisei ser levado a hospitais, tendo efeitos visíveis na redução de minha capacidade de aprendizado; euforia com publicação de artigos e participação em conferência; alívio de ter bolsa aprovada apesar de baixo desempenho em uma disciplina; dentre outras — encerrei o mestrado com um total de 30 créditos (sendo 22 o mínimo requerido), 4 artigos publicados (um deles em colaboração em outro tema) e 1 artigo submetido em revista científica de alto impacto. A dissertação de mestrado, em formato de coletânea de artigos, foi selecionada pela Sociedade Brasileira de Computação (SBC) entre as dez melhores defendidas em 2013.

Cada mestre, cujo trabalho foi pré-selecionado para o concurso de teses e dissertações da SBC, tinha um curto espaço de tempo para expor motivações, metodologias e resultados de sua pesquisa. Como o meu trabalho era extenso, e cada artigo preenchia uma fase essencial — necessita ou não da captura de uma outra imagem, até necessita ou não de uma consulta presencial — a minha imaturidade me impedia de remover conteúdos o suficiente para encaixar a apresentação no tempo estabelecido. A apresentação foi interrompida após completado o tempo estabelecido, e fiquei com a terceira colocação no concurso de Teses e Dissertações da SBC do ano de 2014. Apesar de ter recebido um prêmio memorável, fiquei com um sentimento de culpa e de que poderia ter feito melhor.

Após o concurso, defini uma meta para o doutorado que estava iniciando: desenvolver um trabalho que estaria entre os melhores do Brasil, e seria selecionado para o concurso da SBC. Faria então uma apresentação clara, sucinta, destacando o potencial de impacto e inovação. Mas para isso, ainda tinha muito a amadurecer, desenvolver minhas habilidades, e estar atento aos avanços do estado da arte.

Doutorado e primeiro colocado no CTD-SBC 2019
Eu ingressei em 2013 no programa de doutorado do Instituto de Computação da UNICAMP, e de imediato submetemos uma proposta e fomos contemplados com bolsa do convênio entre Samsung e UNICAMP. O doutorado iniciou com o aprimoramento do artigo submetido ainda no final do mestrado.

Durante o mestrado, eu busquei adiantar disciplinas que serviriam para o doutorado, justificativa pela qual havia concluído com 8 créditos além do necessário para o pedido de defesa. Somados os créditos extras aos 12 créditos que o programa permite convalidar, e considerando o mínimo de 24 créditos necessários, apenas uma disciplina de 4 créditos seria suficiente (entretanto, fiz uma disciplina adicional que foi útil à pesquisa).

A formação e a experiência adquiridas durante o mestrado foram fundamentais para diminuir consideravelmente toda aquela insegurança que enfrentei na etapa inicial da pós-graduação. Ainda possuía algumas limitações, sabia reconhecê-las, mas enxergava o doutorado como possibilidade de aperfeiçoar minhas capacidades e desenvolver minhas habilidades. Existiam problemas em aberto no tema de pesquisa, e uma ampla área com metodologias direcionadas pelos dados que estava florescendo naquela época.

Entretanto, assuntos pessoais permaneciam me atormentando. A saúde era bastante afetada por crises, e o efeito colateral de medicamentos foi uma grande barreira. A trajetória foi bastante complexa nesse sentido, mas desistir nunca me passou pela cabeça. Fui forte o suficiente para seguir adiante, apesar de todos os contratempos.

Além disso, enfrentei problemas diversos e angustiantes, como uma busca incessante por oportunidades de intercâmbio com recursos vindos de outros países (após o corte do programa Ciências sem Fronteiras), e uma sequência de rejeições de um mesmo artigo, cujos melhoramentos e repetidas re-submissões tomaram aproximadamente metade do doutorado até que então fosse publicado. Em busca de estágios e intercâmbios, estivemos próximos de concluir com opções com MIT, IBM (Austrália) e IDx (EUA), mas infelizmente não tivemos êxito devido à alta concorrência nos processos seletivos, prioridades em outras áreas de pesquisa ou fatores isolados.

O nosso trabalho foi premiado por dois anos consecutivos pelo Google Research for Latin America, uma premiação dada aos trabalhos de maior impacto na América Latina. Buscamos sempre manter contato com especialistas, e no último semestre de 2018 nos tornamos parceiros da Phelcom Technologies, uma empresa que estava desenvolvendo um aparelho portátil para captura de imagens de retina. A parceria, em formato de consultoria, era o passo inicial para que nossa pesquisa fosse futuramente incorporada a um produto muito mais acessível.

Com muito esforço e persistência, estimulado pelo próprio tema de pesquisa e por sua possível aplicabilidade para melhorar o sistema de saúde, encerrei o meu doutorado com 4 artigos publicados em revistas científicas, 1 artigo em conferência, 1 capítulo de livro, e 4 artigos adicionais em colaboração com outros trabalhos. A jornada na pós-graduação foi repleta de erros e acertos, mas acima de tudo bastante aprendizado, fazendo valer a pena todo o esforço, mesmo passando por momentos desafiadores que colocam em xeque a nossa motivação e força de vontade.

Com todo o amadurecimento, experiências, habilidades e competências adquiridos, além da colaboração de inúmeras pessoas, voltei para a UNICAMP com o prêmio de melhor tese de doutorado em computação defendida em 2018 no Brasil. E este prêmio pertence a todos que colaboraram, direta ou indiretamente, com a realização deste trabalho.

Encaminho os meus sinceros agradecimentos ao meu orientador Anderson Rocha por todo o incentivo e por não permitir que eu perdesse as esperanças. Ao meu co-orientador Jacques Wainer, e aos colaboradores Sandra Ávila, Eduardo Valle, e Alexandre Ferreira que foram essenciais e determinantes para essa conquista. Agradeço imensamente a Deus, à minha família, e aos amigos do laboratório RECOD pelo apoio durante toda a trajetória de minha pós-graduação.